Quel Ratajczyk 29/01/2023
Quais são os papéis de parede que prendem as mulheres?
Narrado em primeira pessoa, o leitor mergulha na mente confusa e com tendências "histéricas" da narradora, que sequer tem seu nome mencionado pelos outros personagens. Devido a sua condição, a mulher é confinada em uma casa de campo por seu marido John, especialmente dentro de um quarto infantil com grades nas janelas e um curioso papel de parece amarelo.
Mãe e esposa, a narradora é colocada como responsável por sua condição de saúde, precisando melhorar para que o marido fique bem e para rever seu bebê. "Ele diz que ninguém além de mim pode me ajudar a sair deste estado; que devo usar minha força de vontade e meu autocontrole e não me entregar a fantasias tolas" (p. 37).
Ainda assim, a mulher só tem fantasias tolas a quem recorrer devido ao seu isolamento e falta de estímulos. Aqui, o papel de parede amarelo ganha o status de personagem e ganha vida sob a ótica da narradora. Ao leitor, é um trabalho acompanhar e imaginar o dito cujo, que se metamorfoseia entre criatura inanimada e viva.
Em determinado momento do conto, a narradora constata que o papel de parede tem dois planos: à frente grades confusas e, ao fundo, mulheres presas. Aqui, as figuras femininas que se fundem (narradora e mulher do papel) e conseguem se libertar rasgando o papel de parede: tendo a liberdade de entregar-se à loucura e "rastejar".
"Não quero sequer olhar pelas janelas - há tantas mulheres rastejando, e elas rastejam tão depressa! Fico imaginando: e se todas saírem do papel de parede como eu saí?" (p. 67). O trecho rende uma vasta problematização: Quais são os papéis de parede que prendem as mulheres?
A relação entre marido e mulher é uma constante no livro e o leitor pode ver a confiança da mulher no homem se esvaindo conforme a narração. Se no princípio a narradora descreve um bom marido, no decorrer do conto ele parece perder o brilho devido às atitudes de certa forma capacitistas direcionadas à mulher (isolamento, quarto de criança, descrença na condição dela, proibição da escrita e etc).
O conto existe quase como um ato de resistência da narradora, posto que o ato da escrita lhe é cerceado pelo marido. Com frases, parágrafos e capítulos curtos, o texto representa o fluxo de pensamento de uma mulher contrariada, vítima do marido e à beira da loucura, que por vezes é interrompida quando outros personagens se aproximam.
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Sempre quis ler "O Papel de Parede Amarelo", mas, mesmo com status de literatura feminista, poucas bibliotecas da minha cidade têm um exemplar disponível. Tive que comprar a edição e me surpreendi com o tamanho da obra, que por tempos posterguei a leitura.
Por fim, "resolvi" o problema em horas, devorando o livro e os textos de apoio - que muito me ajudaram a compreender a obra e também conhecer a autora. No entanto, foram-me despertas reflexões que devem ficar a longa data, requerendo releituras.