Evy 05/09/2020Encontrei nesse livro uma narrativa diferente dos demais livros que tinha lido dela até então. Percebi logo nas primeiras páginas que a leitura tinha mais foco na cidade, nos objetos e animais do que propriamente nos personagens em si. Aliás, arrisco a dizer que os objetos, a cidade e os animais ali descritos e citados foram mais personagens que as próprias pessoas. Não houve aquele mergulho dentro da alma, porque a alma ali retratada era a de Lucrécia Neves e Clarice foi magistral em vestir a personagem e nos contar uma história (em terceira pessoa, que é outra diferença que senti nesse livro) através do que ela via.
Lucrécia era uma moça simplória, sem muitas reflexões e questionamentos e que queria uma única coisa na vida: casar com um homem rico para escapar do subúrbio e viver uma vida confortável. Através do olhar de Lucrécia e de suas emoções, sem muita consciência, vamos conhecendo a cidade de São Geraldo, um subúrbio na década de 20 com cavalos e homens disputando as ruas para o trabalho numa luta entre campo e cidade que já vimos em outros livros de Clarice, mas que neste é essencial para a construção da personagem.
Há que se pensar também no contexto histórico e na palavra sitiada do título. Clarice dá alguns vislumbres da época em que se passa o livro, com militares pelas ruas e uma certa tensão e medo no ar. Lucrécia inclusive tem um pequeno romance com tenente Felipe, por gostar da farda, mas logo percebe que ele odeia a cidade de São Gerardo e logo também não gostaria dela, que é o espelho do lugar onde vive.
Além de Felipe, Lucrécia desenrola mais alguns relacionamentos na tentativa de encontrar o marido ideal, mas acaba se casando com Mateus Correa, comerciante rico que a leva para viver na cidade grande, apresentando-a aos bailes, teatros, museus que ela tanto queria. Ela se torna uma mulher rica, com empregadas e logo descobre que o dinheiro traz a falsa sensação de que se pode tudo, mas que não a faz feliz como imaginava, retornando para São Geraldo com o marido e voltando a sua rotina de ver, diariamente, o movimento da cidade, do trânsito que aumentara com os bondes, os bibelôs nas estantes, as preocupações domésticas do marido...
Fica muito claro ao longo da leitura que Lucrécia é aquilo que vê e nada mais. Não está disposta e, por escolha, a refletir sobre o que vê e portanto, quando fica viúva e tenta encontrar o amor verdadeiro, percebe o quanto é difícil pra ela. Não é possível ver o amor, portanto ela não sabia o que era.
"Sua forma de se exprimir, reduzia-se a a olhar bem".
Neste livro não temos fluxos de consciência, e muito raramente a personagem tinha alguns vislumbres de reflexão, como quando expressava, às vezes "como nossa vida é triste". E ainda assim nos faz refletir sobre muitas situações. É um livro diferente, e a própria Clarice, disse ao ao jornal Correio da Manhã que foi seu livro mais difícil de escrever.
Eu gostei bem mais que O Lustre, por exemplo, e recomendo a leitura!!!