Goimar 26/08/2020
Sensível e atual
Narrado em primeira pessoa, o romance se passa na Paris dos anos 60, mais precisamente em Belleville, bairro habitado por judeus, árabes e negros. A história é contada pelo menino Mohammed, conhecido como Momo. Criança sensível e inteligente a ponto de apresentar um discurso pautado por reflexões bastante filosóficas.
A relação de Momo com Madame Rosa, judia sobrevivente de Auschwitz, ex-prostituta, que, após aposentar-se, vive de cuidar de crianças em seu apartamento, é o ponto nevrálgico do livro. Desconheço, na literatura, um vínculo mais bonito, tocante e melancólico como a que se desenvolve entre esses dois protagonistas. Em boa parte da trama, o que vemos é uma relação maternal invertida, à medida que cabe a Momo dedicar cuidados intensivos à Madame Rosa, repleta de problemas de saúde.
O menino tem consciência de que é muito maduro para sua idade, construindo interações e diálogos de profundidade espantosa não só com Madame Rosa, mas também com outros personagens da narrativa. Dentre eles, o idoso Hammil, ex-vendedor de tapetes que jamais se separa de seu exemplar de Os miseráveis, e a travesti senegalesa Madame Lola.
Um livro tão poético quanto político uma vez que, a despeito de ter sido publicado na década de 70, aborda e/ou tangencia temas sempre atuais, como: imigração, situação dos marginalizados nas metrópoles, conflito entre judeus e árabes, preconceito racial, solidariedade, eutanásia.
Minha única ressalva à obra é a dificuldade em “comprar” a inteligência exacerbada de Momo. A meu ver, a maturidade e o intelecto dos personagens infantis de grandes obras beiram, no geral, ao inverossímil. Mas essa é, creio, uma implicância muito pessoal e não diminui em nada a beleza e a importância deste livro belíssimo.
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