Léia Viana 06/09/2016
Leitura maravilhosa!!!!
“Cada pessoa é um mundo, cada pessoa tem sua própria chave e a dos outros nada resolve; só se olha para o mundo alheio por distração, por interesse, por qualquer outro sentimento que sobrenada e que não é o vital; o ‘mal de muitos’ é consolo, mas não é solução.”
Livro de contos espetacular! Divididos em duas partes, sendo a primeira escrita entre o ano de 1940-1941, e a segunda parte em 1977, acredito que um dos últimos contos escritos por ela. “A história interrompida” – conto que abre o livro – é sobre paixão e a maneira como vemos a pessoa que nos desperta esse sentimento, a descrição feita da personagem do até então ‘objeto da paixão’ logo nas primeiras linhas é quase que uma nostalgia, bem no sentido literal da palavra, entretanto, o conto termina de uma maneira tão abrupta, que quase chego a sentir a lembrança melancólica da personagem e a de perder a esperança na humanidade.
O segundo conto “Gertrudes pede um conselho” é bem interessante. Gertrudes é uma menina que resolve escrever para uma doutora que atende em um jornal, e essa carta faz com que a doutora queira vê-la pessoalmente, o que desencadeia uma insegurança de como se portar diante dela e várias “suposições” do que a doutora pode pensar a seu respeito. A medida que a leitura segue, vamos acompanhando todas as conclusões que Gertrudes irá chegar, o que torna o conto bem significativo.
“Até que um dia descobriram em mim uma mocinha, abaixaram meu vestido, fizeram-me usar novas peças de roupa e consideraram-me quase pronta. Aceitei a descoberta e suas conseqüências sem grande alvoroço, do mesmo modo distraído como estudava, passeava, lia e vivia.”
Obsessão foi o meu conto favorito deste livro. É também o mais longo. Perceber como as coisas acontecem, o quanto nos doamos em algo obsessivamente é um troço louco, doentio e difícil de entender. E esse conto narra exatamente isso, a obsessão de uma mulher que tem uma vida simples, envolta de pessoas queridas e que de repente se envolve nesta obsessão por um homem, que não a trata bem e ela o sabe, e, mesmo assim, segue com a obsessão, obstinada, alimentando esse ciclo até que ela percebe que pode ir embora.
“Como entender-me? Por que de início aquela cega integração? De que matéria sou feita onde se entrelaçam mas não se fundem os elementos e a base de mil outras vidas? Sigo todos os caminhos e nenhum deles é ainda o meu. Fui moldada em tantas estátuas e não me imobilizei...”
O último conto, que dá título ao livro, é uma grande crítica social a respeito da desigualdade social, o que tem importância para uns e para outros não e da miséria humana, a miséria dos sentimentos e a maneira como olhamos os outros e a nós mesmos. É fantástico, atual, triste e muito, muito filosófico.
“Teve vontade de gritar para o mundo: “Eu não sou ruim! Sou um produto nem sei de quê, como saber dessa miséria de alma””.
Clarice é sempre uma leitura recomendada!