OgaiT 08/04/2023
A história omitida
"Nos anos da Segunda Guerra Mundial, os nazistas destruíram 619 aldeias nos país, com toda a sua população. Depois de Tchernóbil, o país perdeu 485 aldeias: setenta delas estão sepultadas sob a terra para sempre. A mortalidade na guerra foi de um para cada quatro bielorrussos; hoje, um em cada cinco vive em território contaminado. São 2,1 milhões de pessoas, dentre as quais 700 mil crianças. Dentre os fatores de descenso demográfico, a radiação ocupa o primeiro lugar. Nas regiões de Gómel e Moguilióv (as mais afetadas pelo acidente), a mortalidade superou a natalidade em 20%." (p. 10).
Assim são introduzidos os relatos colhidos pela bielorrussa Svetlana Aleksiévitch. Esses registros estão repletos de tristeza, luto, dor, mas não somente isso, há também vozes de coragem, de resiliência, de esperança e de muita força.
Svetlana se propôs a recolher registros orais de diferentes pessoas, classes sociais, profissões e ideais inclusive. Entre as histórias contadas pelos bielorrussos atingidos pelo desastre nuclear de Tchernóbil, uma da qual tenho a imagem muito clara em minha mente é a feita pelo coro de soldados:
"Na porta está escrito: "Caro passante, não procure objetos de valor. Eles não existem e nós nunca os tivemos. Use tudo, mas não destrua. Nós voltaremos". Em outras casas via a inscrições com pinturas de várias cores: "Perdoe-nos, casa querida!". Despediram-se das casas como de pessoas." (p. 104).
As histórias aqui registradas mostram o lado humano por trás dessa tragédia que é alvo de especulação turística, por exemplo. O que pode haver de divertido em um lugar onde as pessoas choram as suas dores? Como o pai que se sente culpado pelo diagnóstico de um tumor no cérebro do filho que brincava com sua ferramenta de trabalho? ou então pelos "animais que vagueiam tristes" e que "entram nos povoados e se aproximam carinhosamente das crianças"?
Aliás, a própria Svetlana afirma que este livro procura registrar as vozes das pessoas que ali vivem e que vivenciaram o desastre nuclear, não o contrário: " É tão fácil deslizar para banalidade. Para a banalidade do horror. Mas olho para Tchernóbil como para o início de uma nova história; Tchernóbil não significa apenas conhecimento, mas também pré-conhecimento, porque o homem pôs em discussão a sua concepção anterior de si mesmo e do mundo." (p. 39).
Por fim, a omissão do Estado é um ponto crucial para entender o desastre. Após o acidente na usina nuclear, a primeira medida que se espera é a evacuação de locais próximos ao desastre, mas na prática isso não ocorreu. E triste de quem vazasse a informação, nunca é de mais lembrar que a Ucrânia e a Bielorrussia estavam sob o regime soviético. Uma das principais medidas de negligência do Estado foi a falta de divulgação de informações essenciais aos civis, tais quais o resultado da aferição dos dosímetros, o acidente na usina nuclear, nem saber o que era radiação essas pessoas sabiam.