Lidi 28/06/2020
Extremamente irresponsável
O livro começa muito bem de uma forma que prende bastante - e não posso dizer que a escrita da CoHo não é incrível, porque é, muito! Toda a tensão vivida numa relação abusiva é palpável e até metade do livro me senti muito ligada à história. O problema veio depois disso.
Temos 3 personagens principais: Sloan, Asa e Luke/Carter. Sloan, a vítima de uma relação extremamente abusiva (com direito a violência doméstica), tem um passado muito difícil: mãe viciada, pai desconhecido, irmão mais novo com deficiência mental. É muito forte e decidida, faz o que for preciso em prol do irmão - mas, pra sair de uma relação abusiva, aparentemente o mais importante é ter um namorado, não o irmão que esteve com você a vida toda e mal é citado no livro. Hmmmm, tá.
Luke é o heroizinho da história, que se apaixona pela Sloan e quer "salvar" a garota - e por isso acaba sendo muito superficial. Você sabe pouco ou quase nada desse menino e a construção dele é tão plana que chega a ser entediante. Não me convenceu. Só serviu pra ser um contraponto com o Asa.
Asa Jackson, por incrível que pareça, é o personagem mais interessante e profundo desse livro. Sim, ele é um abusador, estuprador, agressor e NADA mudaria isso - mas é a história dele a melhor desenvolvida, com direito a muitos flashbacks. Não posso dizer que gosto dele ou que tenho empatia, porque não tenho, mas admiro a construção em camadas do personagem - e admito que foram os capítulos dele que mais gostei exatamente por trazer a visão de um agressor.
Nota: em nenhum momento o livro "passa pano" ou justifica as atitudes do agressor (ao menos isso...).
Meu problema com esse livro vem de dois detalhes: primeiramente, a ideia foi boa, mas CoHo claramente se perdeu da metade pro final e o livro virou uma bagunça nem um pouco convincente. Parecia que a história não ia acabar e eu só conseguia pensar "cara, já deu..". Como disse, até metade o livro me prendeu muito, mas depois disso só ladeira abaixo. Mas, até aqui, eu teria tranquilamente avaliado Too Late com 3ou4 estrelas - o problema mesmo é o quão irresponsável ele consegue ser.
Tem vários pontos que fazem desse livro extremamente irresponsável nos pontos que relata... A vítima do abuso que só consegue sair por causa de um salvador (enquanto, na vida real, você sai pela base emocional de família/amigos/terapia e ainda passa muito tempo sem conseguir se relacionar); pouca importância dada à terapia (que é fundamental num momento desses, né? Luke chega a sugerir que Sloan busque ajuda, mas ela fala que tá bem. Querida, a última coisa que uma vítima constante de abusos, estupro, agressões está é bem....); excesso de cenas explícitas de estupro; e forma que a esquizofrenia foi retratada.
Sobre os estupros: não são um gatilho pra mim e não tive qualquer momento de sofrimento psicológico nesse livro, mas eu vejo e entendo completamente que o livro é um festival de gatilhos pro público mais sensível. Eu entendo retratar o estupro uma vez, duas. Acho até importante. Mas, assim como a série Outlander (comentada recentemente pelo excesso dessas cenas), Too Late comete esse erro grotesco e dá aparência de se aproveitar disso pra "chocar e chamar atenção". A escrita é boa, não precisava disso! Sloan sofre tantos estupros e tentativas de estupro que eu me perdi na conta - e todos bem explícitos. Ela não é a única, claro. Sério, PRA QUÊ?!?!
Outro problema é como ela retratou a esquizofrenia paranóide. CoHo, meu anjo, se você cita uma patologia tão específica, supõe-se que você pesquisou um pouco sobre, né? Mas, ao que o livro indica, foi só pesquisa de Wikipedia mesmo. O diagnóstico é só jogado sem qualquer desenvolvimento extra e não tem muita relevância pra história. Pra que trazer o diagnóstico de esquizofrenia pra um personagem que já era problemático por tanto trauma de infância e uso de drogas? Como não há desenvolvimento nem mostra o cara buscando terapia (só há um trecho minúsculo falando que ele está em atendimento psiquiátrico), dá a entender que todas as atitudes GROTESCAS do personagem são por ele portar esquizofrenia. CoHo, meu anjo, você tem noção do quão insensível é retratar uma doença psiquiátrica de uma forma tão caricata, ainda mais pra justificar a personalidade de um abusador? Asa é muito bem desenvolvido, sim, mas só o lado dele que servia à narrativa: o lado abusador. A doença mental dele só entra em pauta pra justificar as atitudes dele. Meu pai, a raiva que eu fiquei desse livro por causa disso não tá no gibi.
"Ah, mas ela não é médica, não tem obrigação de saber". Não é da área, mas tem acesso a informação. Não é da área, mas soube retratar muito bem o uso de um diurético tiazídico e os efeitos colaterais de um antidepressivo (ainda que forçado, existe lógica). Me desculpe, não estamos falando de uma pessoa que não tem como buscar informação (e sei que buscou por citar diagnósticos específicos, medicamento específicos). Não quer desenvolver esse lado do personagem, então nem traga à tona, faça o favor. Tenha responsabilidade ao tratar de assuntos delicados, CoHo.
A esquizofrenia já é uma doença muito estigmatizada, já sofre muito preconceito. O que esse livro faz é um desserviço.
Pretendo ler outros livros da autora, mas esse, sinceramente, é péssimo, de um mau gosto tremendo.