helmalu 26/07/2016Resenha Silêncio [Leituras&Gatices]Mergulhei nessa leitura sem conhecer a escrita da autora, totalmente sem expectativas e me surpreendi positivamente. Silêncio é um livro que mostra muito mais do que uma história de amor que não se concretiza por razões hierárquicas, mas também aborda questões políticas, sociológicas e até mesmo linguísticas. Claro que sem tanto aprofundamento, mas, mesmo assim, são temas importantes, que fazem o livro não ser completamente bobinho e mostram que a autora se preocupou em fazer um pouco de pesquisa para enriquecer o romance.
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A história se passa num povoado chinês isolado do resto do mundo, lá, eles vivem uma vida muito pobre e são escravos de um sistema de escambo: mandam todo o minério que extraem de suas minas, por meio de uma tirolesa para a cidade que fica logo abaixo da montanha em que vivem, em troca de comida. Além disso, todos que moram lá são surdos, há muitos anos que a surdez estava ali e, para eles, já era algo trivial. Contudo, a cegueira estava começando a se espalhar e, com isso, o desespero também, já que, surdos e cegos, as pessoas não poderiam mais se comunicar, muito menos oferecer sua força de trabalho para que os minérios sejam extraídos e trocados por comida.
Fei é a protagonista da estória. Logo no início da narrativa, o leitor já se depara com os problemas pelos quais ela sofre: a irmã Zhang Jing está perdendo a visão. Isso é muito ruim, já que ambas são artistas, conseguiram escapar da vida dura nas minas por conta do talento que possuíam na pintura, contudo, se Zhang Jin ficar cega, não poderá mais pintar e, consequentemente, será mandada para as minas, ou pior, terá que virar pedinte nas ruas. As pinturas que são feitas no povoado, longe de serem para apreciação artística - já que a arte não tinha valor ali, onde tudo precisava ser prático - serviam para informar os habitantes, uma espécie de jornal. Desse modo, os artistas, que eram considerados uma classe superior por não exercerem trabalho braçal, observavam durante o dia e relatavam por meio de pinturas tudo o que viam, para expor na manhã seguinte.
Fei sempre foi conformada com a vida que levava ali, pelo menos até o momento em que a cidade começou a mandar cada vez menos comida e os casos de cegueira começaram a ficar mais graves. Então entra em cena Li Wei, sua paixão de infância e minerador, do qual ela foi separada no momento em que decidiu se tornar artista, consequentemente, as diferenças hierárquicas fizeram com que ela e ele não pudessem jamais ficarem juntos. Li Wei acaba de perder o pai que, quase cego, sofre um acidente letal dentro das minas. Revoltado, ele decide descer a montanha, um empreendimento muito perigoso, para tentar encontrar uma maneira de garantir mais suprimentos ao povoado. Logo, Fei decide que vai junto com ele, já que, misteriosamente, recuperou sua audição e, assim, pode ajudá-lo caso haja algum deslizamento de rochas. Ele aceita a ajuda dela e ambos partem ao destino incerto, em busca de justiça para as pessoas que amam. Porém, ao chegar na cidade, não encontram nada do que esperavam e é aí que a verdade começa a aparecer e estarrece Fei e Li Wei.
"Daqui a quanto tempo as pessoas vão começar a se voltar contra as outras por puro desespero? Foi para isso que meu pai morreu? Quantos outros vilarejos a cidade já dizimou desse jeito?" (p. 113)
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Silêncio tem uma boa premissa, e foi isso que me chamou a atenção e me fez optar pela leitura, porém, sinto que a autora poderia ter desenvolvido mais alguns aspectos, por exemplo, a mitologia. Se você quer ler Silêncio na esperança de encontrar uma estória rica em cultura e mitologia chinesa, esse não é o livro mais adequado, ele foca demais nas mazelas dos personagens e na questão política, eu esperava que houvesse um aprofundamento maior nesse sentido. Acredito que, se tratando de um romance YA, seria muito mais interessante trabalhar os elementos fantásticos, como as criaturas pixius que surgem só nos últimos capítulos e deixam a impressão de que SPOILER só foram colocados ali na narrativa para salvar a pele dos habitantes já que, obviamente, a população sozinha jamais seria capaz de se livrar da situação de servidão, precisando da ajuda de seres mágicos para conquistarem sua libertação. FIM DO SPOILER.
Apesar disso, a narrativa é muito descritiva, embora eu tenha lido com muita fluidez e de modo algum achado o livro enfadonho. Acho que o fato de a autora ter abordado bem as questões políticas e linguísticas fez o livro ganhar pontos comigo, já que são temas centrais no meu entendimento e que movem as atitudes dos personagens. Algo que achei interessante foi a autora abordar a variação linguística dentro da linguagem de sinais, o que mostra para muita gente que existem várias formas de linguagem e que a variação não é um aspecto somente das línguas orais, já que cada língua representa uma cultura e cada grupo social tem suas idiossincrasias.
Sobre o romance entre Fei e Li Wei, acho que apareceu na medida certa, não foi muito meloso, e achei até plausível, já que a autora faz boas descrições de como era a vida deles antes de Fei se juntar aos artistas. Por fim, recomendo a leitura desse livro, embora com as ressalvas acima. Apesar de tudo, foi uma leitura gostosa e que me entreteve bastante, fiquei ansiando pelo futuro do povoado e do casal e, embora não tenha gostado do desfecho, imaginei que seria daquele modo. Além disso, fiquei muito aliviada ao saber que o livro é volume único.
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