jota 03/05/2016"Dona" Moll e seus (vários) maridos, pecados e crimesIntelectuais e estudiosos da obra de Daniel Defoe (1660-1731) acreditam que o espetacular sucesso do livro Robinson Crusoé (1719) acabou deixando em segundo plano outras obras notáveis do escritor inglês. Caso desta Moll Flandres (1722), capaz de proporcionar grande envolvimento do leitor com a narrativa, do mesmo modo que ocorre com a história do famoso marinheiro náufrago.
O presente livro tem o extenso subtítulo de "As venturas e desventuras da famosa Moll Flanders & Cia. Que nasceu na prisão de Newgate, e ao longo de uma vida de contínuas peripécias, que durou três vintenas de anos, sem considerarmos sua infância, foi por doze anos prostituta, por doze anos ladra, casou-se cinco vezes (uma das quais com o próprio irmão), foi deportada por oito anos para a Virgínia e, enfim, enriqueceu, viveu honestamente e morreu como penitente. Escrito com base em suas próprias memórias."
Quer dizer, o subtítulo equivale a uma poderosa síntese do que será dado ao leitor conhecer acerca dessa singular personagem, que a certa altura resume grande parte de sua existência como "(...) uma horrenda mistura de impiedade, prostituição, adultério, incesto, mentiras e roubos - em poucas palavras, todos os delitos, exceto o assassínio e a traição, tinham sido minha rotina desde os dezoito anos, ou mais ou menos isso, até os sessenta (...)". Moll Flanders chegou a um ponto sem volta, em que roubava por roubar: simplesmente nisso tinha se transformado sua vida, como ela nos confessa.
A história de Moll e as demais histórias por ela contadas ao longo do livro prendem nossa atenção incrivelmente e em parte isso se deve não apenas ao talento de Defoe, também à primorosa (e saborosa) tradução de Donaldon M. Garschagen. Somos transportados para distantes tempos ingleses, pré-revolução industrial, com seus usos e costumes característicos, que fazem a delícia dos leitores que apreciaram, por exemplo, outra obra memorável da literatura inglesa setecentista, Tom Jones, de Henry Fielding, seguidor de Daniel Defoe e precursor de Charles Dickens.
Não bastasse isso, esta bela edição da Cosac Naify traz textos de Cesare Pavese (A solidão de cada um), Virginia Woolf (Defoe) e Marcel Schwob (O pão nosso de cada dia) e finaliza com Sugestões de leitura. Além de destacar a excelência da escrita de Defoe, suas obras, levantam-se questões acerca da existência de um Moll de verdade (ou de mais de uma) que teria servido de modelo ou inspiração para a Moll ficcional.
Moll Flanders é um clássico inglês setecentista que vale a pena ser lido ou relido, que recomendo com entusiasmo. Lido entre 26/04 e 02/05/2016.