Tamirez | @resenhandosonhos 21/08/2018LoneyEu ouvi tanta gente reclamando de Loney que comecei a ler o livro com as expectativas no chão, e ai qual foi a minha surpresa quando me vi realmente apreciando o livro. Depois do lançamento de Garota Exemplar, A Garota no Trem e tantos outros thrillers, o estilo acabou ficando associado a ação, reviravoltas e mistérios instigantes, sem que os leitores percebessem que existem vários desdobramentos dentro do gênero. A confusão, aparentemente, também veio do marketing da editora, que não parou para explicar a diferença e foi na onde do sucesso que o gênero vinha fazendo, vendendo um livro pelo que ele não era.
Loney é um suspense de drama. Não tem nada de parecido com Garota Exemplar. A não ser por uma provável descoberta ou constatação no final, no momento em que os pontos se ligam. Acredito portanto, que se as pessoas tivesse lido o livro sem essa comparação em mente e preparadas para o que o livro realmente tinha a oferecer, o resultado da frustração seria diferente.
“Quanto mais desumano o sofrimento que somos capazes de causar uns aos outros, mais compadecido Deus parecia como um contraponto a nós. Era por meio da dor que saberíamos qual distância ainda tínhamos de percorrer para sermos perfeitos aos Seus olhos.”
Além de ser um drama esse é um livro que vai falar bastante sobre religião e sua sombra na vida das pessoas. Laura, a mãe dos garotos é uma crente (nada de pejorativo na palavra, ok?), ela tira toda a sua força e princípios da palavra de Deus. Ela acredita que o seu Deus curará seu filho, que é só uma questão de o momento certo e o sacrifício certo. Quando o velho e tradicional morre para ser substituído por alguém mais jovem e com crenças mais modernas ela não aceita isso com naturalidade.
O Padre Bernard McGill é um santo somente por aturar ela lhe dizendo o que fazer ou como “o Padre Wilfred fazia de outra forma, será que não seria melhor manter como estamos acostumados?”. E ele cede com toda a compostura, tentando sempre agradar a todos, mesmo que o seu método lhe pareça melhor. Isso por si só, desconsiderando até a parte do quanto Laura é uma mãe péssima, já serve pra termos um tremendo desgosto da personagem.
E toda essa questão é trabalhada: a fé, as formas de crer em Deus, como ele se manifesta nas pequenas coisas, a tradição e o convencional. Mesmo que o livro não debata isso de forma aberta ou aprofundada, os questionamentos sobre o peso da fé estão sempre presentes na narrativa da história e nos atos dos personagens, sendo um dos pontos principais da trama. A fé é a coadjuvante – principal – da história.
“O Juízo Final me lembrava do pátio da escola com seu despotismo informal, e a constante ansiedade de nunca saber que traços de personalidade num menino seriam passíveis de punição com violência instantânea. Alto demais, baixinho demais. Órfão de pai, órfão de mãe. Xixi nas calças. Sapatos furados. Classe social errada. Irmã putinha. Piolhos”.
Tonto é um personagem muito legal. Ele é uma criança esperta, um coroinha porque a mãe desejava, mas fiel ao seu dever. Ele sabe que precisa olhar sobre o irmão e, por muito tempo, não sabemos o que há de errado com Hanny até que parte do mistério seja revelado. Mas, acima de tudo, Tonto é curioso e cauteloso, duas coisas que não exatamente combinam, mas que funcionam bem juntas. Ele ouve o que não deve as vezes, mas não é pego. Ele protege o irmão e depois lida com as consequências. Mantém segredos e tenta ser o mais justo possível. Faz por Hanny o que não vê a mãe fazendo. Ajuda o padre, e observa a tudo e a todos.
Temos vários personagens coadjuvantes, alguns da congregação e outros do lugar para onde eles vão. Cada um pensa de uma forma e, apesar dos membros da igreja todos crerem em Deus, suas visões são diferentes e um pouco conflitantes em vários momentos. E, acho que já ficou óbvio, que Laura é a dominante, e certamente uma mãe duvidável. Ter um filho com problemas é uma vergonha pra ela e se para que isso se reverta ela precise mal tratar o garoto, parece estar super ok pra ela, o que é bastante frustrante como as coisas acabam acontecendo a sua mercê durante toda a narrativa.
Sabemos que no futuro, logo pelo começo do livro, o cenário é bem diferente. E, se você se tocar, vai ficar se perguntado como as coisas mudaram tanto e como foi possível chegar àquele ponto. O Loney, que dá nome ao livro não é exatamente algo importante na trama, é apenas um lugar, um cenário onde o show vai se desenrolar.
Apesar do mistério, de tentar descobrir o que há com Hanny, o que há no Loney, o que o corpo da criança tem a ver com eles, esse não é um livro de reviravoltas e enormes descobertas. É uma sensação diferente, uma busca mais por compreender a natureza dos diversos tipos de pessoas do que realmente ansiar por ação. Essa foi a minha interpretação e sentimento com a leitura.
Loney foi uma experiência mais introspectiva e de reflexão do que foi de êxtase de leitura, e eu realmente compreendo a frustração dos leitores que não gostaram. O livro e sua proposta foram vendidos de forma errada e isso trouxe um efeito diferente do esperado. Porém, verdadeiramente acredito que se você ler Loney pelo que ele é e não pelo que muitos queriam que ele fosse, é possível encontrar aqui sim um bom livro, com bons personagens, narrativa fluída e ótimas reflexões.
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