Júlio 15/10/2017
Em As Ondas, Woolf conta a história de 6 pessoas, desde o período da juventude até a velhice, onde o foco são os episódios chave de formação desses personagens, como indivíduos e como grupo. O grande diferencial dessa obra é a forma em que a história é contada, pois a narrativa é feita na forma de solilóquios onde os personagens nunca dialogam diretamente entre si, apenas descrevem através de monólogos o que passa ao seu redor, seus sentimentos e pontos de vista. A exceção fica por conta de pequenos interlúdios que servem como forma de separar o tempo entre as cenas que compõe o livro. Esses interlúdios são narrados na terceira pessoa, descrevendo a posição do Sol no céu e seu efeito sobre a fauna, flora e, claro, as ondas da paisagem em que esses personagem habitam.
Diferente de Ao Farol, onde o fluxo de consciência é feito de forma fluída e poética, as vezes deixando o leitor no escuro sobre quem é o real autor por trás de cada pensamento ou sensação, em As Ondas o agente de cada monólogo é explicitamente descrito, não abandonando a excelência poética da autora, que aqui floresce nas mais belas metáforas. Apenas pequenas e curtas passagens mais piegas mancham o que é, em seu conjunto, um texto irrepreensível. É a forma sutil nas mais pequenas descrições que realmente trazem vida à essas pessoas, como por exemplo as botas ensopadas de Susan, Jenny sentada à frente do espelho, a forma que Rhoda entra no restaurante etc. Em um dos melhores monólogos do livro, em que Louis lê um poema, a forma com que Woolf intercala as lembranças de Louis com sua leitura, gerando a necessidade de que o poema seja constantemente recomeçado do início é de sutileza notável, uma passagem breve, mas que mostra a engenhosidade da autora. Todas essas cenas são descritas com precisão e lucidez de idéias, usando metáforas que dão vida e cor aos personagens sem cair no enfadonho, sem ter como objetivo confundir e alienar o leitor, afastando-o do texto.
É importante comentar sobre como o livro começa, pois sua abertura passa uma aura hermética que pode afastar o leitor desavisado. Após a introdução narrando o nascer do Sol, somos apresentados de forma direta, desavisada, aos personagens que começam narrando eventos desconexos e aparentemente cacofônicos, porém logo se torna clara a intenção da autora. É uma forma de apresentar os motivos que vão compor o resto do livro, é a forma da autora abordar a mesma idéia que Joyce teve no início de seu Retrato do Artista Quando Jovem, porém da sua maneira, com voz própria. O texto nos passa que os personagem "dizem", mas é o subtefúrgio usado por Woolf para introduzir cada solilóquio, nada é de fato dito e sim pensado e sentido.
Woolf escreve um livro que é cheio de cor e música, mas as cores são lúgubres, e a música em adágio. Seus personagens, apesar de bem caracterizados e possuírem motivações, inseguranças e experiências próprias parecem serem todos variações de um mesmo tema, como cores por um prisma. Não ponho isso como defeito, pelo contrário, se torna claro que é uma escolha estética da autora para fixar sua mensagem, para mostrar como, apesar de serem indivíduos suas experiências são potencializadas quando os mesmos entram em ressonância.
O livro é de difícil classificação, devido a sua estrutura única não é possível encaixar ao lado de outras novelas, e apesar de poético não chega a se rum poema em versos. Talvez a forma mais abrangente de encarar a obra seja na forma de um estudo artístico sobre as relações humanas, que tem como objetivo relacionar, através da metáfora com as ondas, os choques que definem toda nossa vida. As Ondas, juntamente com Ao Farol, colocam para mim Woolf entre os artistas mais geniais do século XX, e talvez ainda além disso. O paradoxo aqui, ou melhor, a ironia, é que ao escrever sobre a fragilidade e a inevitabilidade da morte sua obra se tornou infrangível e imortal.