Ramiro.ag 06/04/2024
"Vocês que entram, deixem para trás toda a esperança!"
"Ó insensato desejo dos homens mortais!
Quão falaciosos são os argumentos
Que conduzem tuas asas ao voo descendente!" Paraíso, canto 11
A Divina Comédia é um dos poemas épicos mais importantes e conhecidos da história, não para menos, a sensação de percorrer as páginas ao lado de Dante é como a de embarcar em uma verdadeira jornada teológica e política. A história é repleta de alegorias, metáforas, referências e todo tipo de recurso de linguagem que a deixa rica e extremamente complexa.
"Insano é quem espera que nossa razão humana
Consiga percorrer o caminho infinito." Purgatório, canto 3
Na obra, pude notar que Dante é um reflexo da humanidade, representando o aprendizado contínuo, o erro e a busca por redenção. Virgílio, um dos maiores sábios da humanidade, representa justamente isso, a razão e a sabedoria terrena, enquanto Beatriz representa a teologia, a sabedoria divina. Para alcançar o paraíso, Dante deve deixar Virgílio para trás e ir com Beatriz, ao meu ver, uma analogia a ascenção do homem a glória eterna.
"Não pode, por sua própria natureza,
Ser tão potente a ponto de discernir seu Princípio,
Que está muito além da capacidade de seus sentidos." Paraíso, canto 19
A ambientação pode ser um pouco confusa, mas fica mais clara ao contextualizar com as crenças da época, levando em consideração o modelo geocêntrico de Ptolomeu que diz que a Terra está no centro do Universo e não se move. Seguindo essa ideia, logo no primeiro canto de Inferno, Dante se vê perdido em uma floresta escura e encontra uma caverna que seria a entrada para o Inferno, esta caverna estaria localizada em Jerusalém. Descendo pelos círculos do inferno, o último é a morada de Lúcifer, representando o centro do planeta (segundo Dante, o inferno é um grande abismo causado pela queda de Lúcifer), esta, ligada ao ponto diametralmente oposto de Jerusalém, onde há uma ilha com uma montanha colossal. Essa montanha é o Purgatório, que também é composta por círculos, e em seu topo fica o Jardim do Éden, a partir desse ponto é possível ascender ao Céu.
"São poucas as almas que respondem a este convite.
Ó humanidade nascida para voar tão alto,
Por que se deixa levar por todo vento que sopra?" Purgatório, canto 12
Ao longo da jornada, Dante vai abordar minunciosamente todas as faltas e virtudes da humanidade, dando exemplos reais (quem ele não gosta ele jogou no fogo do inferno mas tudo bem kkkkkk) e alertando aos homens o perigo de seguir tais caminhos. O Inferno possui uma linguagem sombria e pesada, de desesperança, abandono e negligência eterna, os pecadores ali cometeram pecados de incontinência, violência e malícia. Muitas vezes Dante se emociona, achando que para alguns, a justiça divina não foi justa mas logo é repreendido por Virgílio, que o ensina que, apesar dos pesares, é sim muito justa.
"Vivíamos na escuridão,
Apesar do ar doce e do Sol que alegrava o dia,
Nutrindo dentro de nós a fumaça da melancolia." Inferno, canto 7
Enquanto o Inferno foi áspero e duro, o Purgatório tem uma atmosfera menos sombria, partindo do princípio que apesar dos penitentes sofrerem drasticamente no purgatório, ali eles tem esperança de salvação. Ali, os sofredores estão felizes por estarem sofrendo. Dante deixa claro que subir o purgatório foi muito mais difícil que a descida pelo inferno, haja vista que ali a expiação dos pecados deve ser penosa para a purificação da alma.
"Escutai agora: o desígnio de Deus poderá ser quebrado,
Se ele atravessar o Letes, e provar de sua água
Sem antes pagar o devido preço:
O arrependimento, que faz derramar muitas lágrimas." Purgatório, canto 30
O Paraíso, sem dúvida, é a parte mais densa, com uma linguagem completamente simbolista, tudo é muito santificado e feito para estar o mais distante possível das "coisas terrenas", o que dificulta e MUITO a compreensão e a linha de acontecimentos. Além disso, Dante não usa os ícones tradicionais descritos na religião, ele refaz completamente as figuras eclesiásticas, optando pro muitos efeitos de luz, figuras geométricas complexas, enigmas, imagens matemáticas e astronômicas e a representação sonora, ficando ainda mais distante de uma representação material.
"Em trajes de pastores, os lobos vorazes
De todas as pastagens, se veem daqui de cima!
Ó ira de Deus, por que ainda dormes?" Paraíso, canto 27
Toda a obra é uma exposição, uma pintura, bela e eterna da condição humana em sua sublime complexidade. O homem não é definido apenas pelo conceito de "bom" ou "mau", mas é um ser labiríntico, dotado de infinitas possibilidades oferecidas pelo livre-arbítrio.
"Ó soldados do Céu, a quem contemplo:
rogai por aqueles que estão na Terra,
e se extraviam para o mau exemplo!" Paraíso, canto 18