Marcos606 03/09/2023
Questões de ordem e hierarquia estão no centro da Guerra dos Mundos. Quando os marcianos pousam pela primeira vez na Inglaterra, não são vistos como uma ameaça. A maioria dos homens e mulheres, nos subúrbios de Londres e na cidade, continua a cuidar dos seus negócios. Mesmo depois de os marcianos matarem várias pessoas, a vida quotidiana não é significativamente perturbada. Confrontado com um ataque iminente, o povo inglês apega-se aos regimes estabelecidos e às estruturas sociais existentes. O narrador fica particularmente impressionado com isso:
"A coisa mais extraordinária, para mim, de todas as coisas estranhas e maravilhosas que aconteceram naquela sexta-feira, foi a articulação dos hábitos comuns da nossa ordem social com o início da série de eventos que iria derrubar de cabeça essa ordem social."
Como observa o narrador, a resistência inglesa não dura. O ataque marciano eventualmente forçará o colapso da ordem social. Com efeito, nivela todas as hierarquias sociais, colocando pessoas de todas as posições e classes no mesmo plano. O caos se instala. As pessoas rapidamente se voltam umas contra as outras, usando a perda da ordem como desculpa para serem destrutivas e violentas. O narrador e seu irmão observam uma série de cenas estranhas: pessoas saqueando lojas, homens atacando mulheres, servos abandonando seus senhores, trens atravessando multidões e assim por diante. A descrição de Wells do caos na ausência de estruturas sociais artificiais demonstra poderosamente quão importantes são essas estruturas para o sentido humano de ordem. Mais importante ainda, sublinha a precariedade do sentido humano de ordem.
A invasão marciana também provoca o colapso das hierarquias naturais. No romance de Wells, os humanos tornam-se uma espécie subordinada. Essa mudança de posição dá ao narrador uma nova perspectiva sobre o mundo natural. Ele começa a traçar paralelos entre a relação marciana com os humanos e a relação humana com os animais. Pela primeira vez em sua vida, ele se pergunta “como um couraçado ou uma máquina a vapor pareceria para um animal inferior inteligente”. Ele faz analogia semelhante ao emergir das ruínas da casa que o abrigava:
"Senti-me como um coelho se sentiria ao voltar para sua toca e de repente ser confrontado pelo trabalho de uma dúzia de operários ocupados cavando os alicerces de uma casa. Senti o primeiro indício de algo que logo ficou bastante claro em minha mente, que me oprimiu por muitos dias, uma sensação de destronamento, uma persuasão de que eu não era mais um mestre, mas um animal entre os animais, sob o calcanhar marciano."
O número de comparações entre humanos e animais aumenta à medida que o romance avança. Perto do final, o narrador encontra um artilheiro que tem certeza de que os marcianos irão domesticar os humanos. Ele prevê que as pessoas que não são “feitas para animais selvagens” acabarão em “gaiolas bonitas e espaçosas”, sujeitas a “criação cuidadosa” e “alimentos que engordam”. Este não é o resultado final, mas Wells não nega que possa ser. Em vez disso, ele adverte as pessoas contra tomarem como certa a sua posição na ordem natural. Ele pede a seus leitores que reconsiderem sua relação com o mundo animal. No final, a principal lição – para o narrador e para o leitor – é a compaixão pelos animais.