Toni 18/04/2024
Leituras de 2023
Homens elegantes [2016]
Samir Machado de Machado (RS, 1981-)
Rocco, 2016, 573 pág.
Sem dúvida umas das melhores leituras de 2023, Homens elegantes consegue reunir o apuro histórico subversivo de Umberto Eco, o humor paródico-refinado de Jô Soares e a espirituosidade acintosa de Oscar Wilde, tudo misturado num banquete literário de referências e tempero inconfundivelmente brasileiros. Como se não bastasse nos entregar um romance histórico por excelência, Samir faz isso integrando à sua narrativa séculos de história queer, um saber enciclopédico que se manifesta de inúmeras formas—como o pastiche de estilo das peças de Wilde, a apropriação de personagens de obras homoeróticas pregressas, referências à Mishima e Shakespeare, letras de música da Madonna ou da maravilhosa (e muy pertinente) música-tema de “The Spy Who Loved Me” etc.
O romance começa em 1760 e acompanha os sucessos e adversidades de um soldado luso-brasileiro, Érico Borges, enviado como espia à Inglaterra a serviço do Marques de Pombal. Uma vez em terras anglicanas, assume a identidade de um barão com a ajuda da embaixada portuguesa, e ganha ingresso, afetos e inimigos naquela alta sociedade. As mais famosas narrativas de capa-e-espada vitorianas (note-se que a temporalidade do romance é um pouco anterior ao reinado da dita rainha, bear with me) são caracterizadas por uma série de clichês explorados à exaustão pelo cinema—como o plano maligno, a sociedade secreta, o duelo e a caçada mortais, o aprisionamento sem esperança de escapatória, o plot-twist e, claro, um grande romance.
Esses elementos estruturam o edifício ficcional de Homens elegantes, mas o feito de Samir vai além: atento ao presente, o grande trunfo do escritor não é só tornar visíveis aqueles que por tanto tempo foram rasurados da história, mas expor todo atavismo retrógrado de certa classe política e religiosa empenhada no constante ataque aos direitos de minorias ainda hoje. Obra esgotada (que logo ganhará nova edição), Homens elegantes faz toda mentira parecer a mais irrefutável (e deliciosa, divertida, sensual) verdade, e todo flerte com o anacronismo uma ousada e refinada lição de criação e deleite artístico.