de Paula 24/01/2021
Não espere pelo politicamente correto
Bem, o que dizer deste livro que acabei de ler, mas já considero pakas? Não se assuste com essa forma de escrever, caso contrário, você não estará pronto para essa experiência que é ler o Café da manhã dos campeões. Se você for sensível a críticas sociais, apresentadas com muito sarcasmo e de maneira até cruel, não leia esse livro, você não está pronto para se despedir de segundas-feiras tristes.
Imagine que você tem acesso a um livro de ficção científica, onde o Criador te informa que o mundo, o universo e tudo o mais foi criado para você, pois você é o único ser com livre arbítrio, por isso todas as músicas, romances, guerras, filmes, enfim, toda e qualquer ação de outro "ser humano" é para te impressionar, encantar, decepcionar, ou qualquer reação que seja, afinal, todos são robôs criados e disponíveis para você. Tudo não passa de um experimento, e você já foi ressuscitado por volta de 23 vezes, então está tudo bem. O que você faria? Acreditaria nisso? Dwayne Hoover acreditou e essa história é como chegamos ao clímax do encontro do autor com esse leitor e o que essa obra vai causar na vida de uma cidade do interior dos Estados Unidos.
O livro é composto de críticas mordazes e da banalidade que alguns assuntos tem em nosso tempo, que se analisarmos de fora, veremos o quão cruel é a nossa sociedade e o nosso estilo de vida. Tem momentos que a verdade é tão absurdamente explodida na sua cara que você simplesmente não sabe se ri ou levanta do sofá e tenta mudar o mundo, ou talvez concorde com tudo e isso se torna um grande problema para todos ao seu redor. O autor não poupa palavras para falar de absurdos históricos, da cultura falocentrica (inclusive, muitos personagens serão descritos pelas características de suas genitálias), estupro, suicídio, homofobia, racismo, misoginia, cultura armamentista, dieta nada saudável, poluição, fake news, temas que fazem parte da vida humana e estão normalizados que precisamos mudar a perspectiva e enxergá-los novamente com a devida importância, afinal o livro é de 1973 e ainda vivemos neste tipo de sociedade.
Você é partido no meio, assim como sua cabeça fica pesada de tanto pensar sobre o que de fato é ser humano, enquanto acompanha a aventura dos protagonistas até o malfadado encontro, cujo spoiler é dado nos primeiros capítulos do livro. Uma obra maravilhosa, fluída e extremamente reflexiva, onde você ri da simplicidade dos eventos transcritos, ao mesmo tempo que se choca pelo absurdo de não viver embasbacado na vida real com os assuntos trazidos à tona.
A minha grande reflexão foi sobre o tema de sermos robôs a serviço de uma vontade superior: será que as reações químicas e biológicas dos nossos corpos não são o centro de comando de nossas vidas? Afinal, nossas escolhas e caminhos são realmente nossas, ou depende de inúmeros fatores químicos e de microorganismos, vírus e bactérias? Talvez sejamos de fato máquinas subordinadas a própria natureza e sem livre arbítrio. Tudo pode ser uma grande ilusão. Ou, as segundas-feiras sejam de fato tristes, pois neste dia voltamos a rotina. Fica o convite a participar desta loucura que é ler Vonnegut.