colita 21/03/2024
O ser humano nasce, cresce, reproduz, e é servido no jantar
Aquele livro que você sabe: Por mais tenebroso que o capítulo que acabou de ler tenha sido, o próximo vai ser pior!
O primeiro do Raphael que tive o desafiador prazer de ler e me surpreendeu muito, porque, por mais que a premissa seja bizarra, a introdução é tão leve ? se é que posso definir assim ?, com tantas referências nacionais, piadas, aquela típica autodepreciação brasileira que faz você se identificar com os personagens por mais que nunca tenha chegado perto de passar pelas situações citadas; que a familiaridade com ambiente acaba te distraindo e então, o enredo principal entra com os dois pés na porta e te deixa completamente desnorteada.
É nítido quando um autor estuda, pesquisa e realmente vai atrás de informações específicas e realistas para escrever, o que podemos perceber aqui. A riqueza de detalhes nas descrições está entre fascinante e apavorante.
A natural simpatização com o protagonista aconteceu como esperado e permaneceu viva por aparelhos por tempo até demais. Após finalizar a leitura foi impossível não analisar os fatos e se questionar se, uma pessoa que prefere planejar um jantar com carne humana no cardápio para conseguir dinheiro, do que pedir ajuda aos pais, tem realmente algo parecido com caráter no corpo? E digo isso de todos os envolvidos, aliás.
Creio que a cena do abatedouro foi um marco para todos os leitores. Confesso que fiquei com ela na cabeça por semanas (uma das coisas mais indigestas que já li).
Além da grande crítica ao capitalismo espreitando atrás de cada vírgula, há várias outras, das mais sutis até as gritadas efusivamente por Soninha Klein ao final do último ato.
Pessoalmente, senti que a segunda metade do livro não conseguiu alcançar a instigante desenvoltura da primeira, e isso acabou levando a um desfecho um pouco inferior ao que eu estava esperando. O que, claro, não afetou a grandiosidade da obra, mas quebrou um pouco as minhas expectativas de deixar cinco estrelas completas na avaliação.
Adorei! Sobretudo foi uma leitura inquestionavelmente memorável e despertou meu interesse por mais obras do autor.
Porém, uma coisa é certa, se eu precisasse dividir um quarto com Raphael Montes e nele tivesse duas camas, escolheria dormir no corredor sem pensar duas vezes!