Leco 02/09/2022
O livro é um trabalho jornalístico fantástico em que a autora conta histórias de diversas pessoas que passaram pelo momento de abertura político-econômica da URSS. Essas histórias formam um mural que abrange grande parte da história soviética do século XX. Alguém que teve um pai que lutou na Segunda Guerra, outro que foi mandado para os campos de trabalhos forçados, ou cresceu em um orfanato, passou pela desestruturação e fim do Estado na Perestroika, conflitos surgidos entre os muitos e diversos novos Estados que surgiram, as alegrias, tristezas, tragédias, fome, ódio, esperança, amor, etc.
No início do livro há uma linha de tempo apresentando os principais fatos históricos do período, mas quem não conhece a história russa pode se sentir perdido muitas vezes.
Logo de cara, o livro já me lembrou muito o 1984 de George Orwell. Toda essa coisa de controle, repressão e o constante estado de alerta procurando os inimigos internos da pátria fazem lembrar a clássica distopia de Orwell.
Não foi uma leitura fácil. Por um lado há uma confusão de tentar entender os momentos em que as pessoas relatam suas vidas, sem conhecer aqueles momentos históricos ou personagens. Mas a dificuldade principal foi a densidade dessas histórias. Histórias essas de pessoas que viveram em um Estado em constante estado de guerra, repressivo, ditatorial, que perseguia e condenava qualquer um a diferentes tipos de punição sem julgamento, com tortura, trabalhos forçados, separação dos filhos e muitos outros horrores. Pessoas eram denunciadas por algum motivo qualquer como inimigas da pátria. Podia ser o vizinho, o colega de trabalho ou o filho. Trabalhos forçados em regiões remotas como construir uma estrada férrea na Sibéria. Relatos de pessoas que viveram em situações em que estavam sempre à procura de comida, como uma mulher que quando menina viveu em um orfanato onde apanhava todos os dias e estava sempre olhando para o chão à procura de graminhas, raízes ou farelos para comer. Por outro lado há relatos de pessoas que sentiam orgulho da pátria que venceu a guerra, orgulho do ideal comunista em que todos davam o seu melhor pela sociedade.
Mas o foco do livro, como o título sugere, é o momento de ruptura, a abertura ao capitalismo. A esperança de muitas pessoas com o fim do Estado repressor, de dias melhores, de oportunidades de mudanças, surgimento de novos produtos contrastava com a apreensão do sentimento do fim da grande pátria provedora, a mercê de oportunistas com seus organismos sendo apropriado por oligarcas e onde tudo começava a girar em torno de quem tinha dinheiro. Havia ainda o desgosto de ver ruir a grande pátria construtora de tanques de guerra, navios, aviões e foguetes rendendo-se a produtos como calças jeans, perfumes, Coca Cola e McDonalds.
Dentro deste cenário são contadas histórias individuais que mostram o ser humano em sua essência, sendo influenciado ou não pelo sistema vigente. O amor, a esperança, a crueldade, o ódio, a ambição, se apresentam de forma pura nesses momentos de instabilidade, na ausência do Estado, de um poder moderador, onde todos buscam sobreviver ou ter sucesso. Conflitos terríveis dentro da sociedade e entre povos que outrora eram parte de uma única nação mas que de uma hora para outra deixaram de ser.
Enfim gostei muito do livro mas me senti muito triste com a apresentação do ser humano sem filtro. Foi um tapa na cara que me lembrou a essência da humanidade quando busca poder e como essas pessoas são valorizadas de acordo com o poder que tem.