Fabio.Nunes 20/01/2024
Ah se eu fosse kalachakra
As primeiras quinze vidas de Harry August - Claire North
Editora: Bertrand Brasil, 2021.
Indicação do próprio tradutor da obra, o amigo Angelo Lessa.
Esse livro parte de uma ideia muito simples, aparentemente até clichê, mas que eu achei sensacional e nunca tinha visto realmente: e se, ao morrer, você simplesmente voltar ao local e tempo exato onde nasceu com todas as memórias dessa vida para viver novamente? E se isso se repetir indefinidamente?
Esse tipo de humano é o que Claire North chama de Ouroborano ou Kalachakra, aqueles que orbitam eternamente a mesma série de eventos históricos embora suas vidas possam mudar. Podem viver centenas de vezes o mesmo período histórico, escolhendo trilhar caminhos completamente diferentes a cada vez.
Só com essa ideia o livro pincela e instiga vários questionamentos.
Alguns deles são levantados ao menos superficialmente pela autora por meio de seu protagonista: Harry August, um tipo de ouroborano que possui memória perfeita de todas as vidas que teve, sem qualquer deterioração, como ocorre normalmente com seus iguais.
Harry investiga qual kalachakra está gerando modificações indevidas na linha do tempo, criando antecipações cada vez mais rápidas de tecnologias de tempos futuros, o que deixa a humanidade cada vez mais próxima de um cataclismo.
A narrativa é sempre ágil e atraente, começando com as questões gerais da existência de kalachakras - fazendo refletir um bocado - e depois se voltando especificamente para a investigação de Harry, chegando a um final previsível, na minha opinião.
Confesso uma pequena frustração com o livro por ele não aprofundar questões fundamentais relacionadas à perenidade da memória num mundo que precisa esquecer. Também achei que a autora poderia ter explorado um pouco mais questões fundamentais da existência humana afetadas pela existência de kalachakras. Culpa dela? De jeito nenhum.
O livro é muito bom do início ao fim (e a gente termina sem perceber).
Agora te pergunto: se você fosse um Kalachakra, o que faria de diferente numa próxima vida com toda a memória dessa sua vida atual?
- CITAÇÕES -
"Se considerarmos a ignorância uma forma de inocência e a solidão uma forma de se distanciar das preocupações, minha primeira vida teve um tipo de felicidade, por mais que não tivesse um objetivo concreto. Mas, já sabendo de tudo que havia vivido antes, eu não poderia viver aquela nova vida da mesma forma."
"Dizem que a mente não consegue se lembrar da dor; mas eu digo que isso pouco importa pois, mesmo que a sensação física se perca, a lembrança do terror que acompanha é perfeita."
"Alguns veem o esquecimento como uma benção, uma chance de redescobrir as coisas que já foram vividas, de preservar alguma sensação de admiração pelo universo."
"Se algo deve mudar um dia, precisamos fazer sacrifícios e desafiar o sistema rígido no qual vivemos. Ou, se nada vai mudar, devemos sempre observar nossos semelhantes, puni-los sem piedade e viver sem remorso."
"🤬 #$%!& cara, mas isso que é do cacete! Você nasce sabendo o que vai acontecer na sua vida, cada detalhezinho de merda, e aí diz: 'vamos só ficar observando'? 🤬 #$%!& nenhuma, cara, vamos sair por aí, vamos viver um pouquinho, ter surpresas na vida!"