Marcelo Rissi 01/09/2021
Uma confissão (Liev Tolstói)
Adquiri, há algumas semanas, e encerrei, há poucas horas, a leitura de "Uma confissão", obra escrita por Liev Tolstói, primorosamente traduzida por Rubens Figueiredo (responsável, também, pela elaboração de um oportuno, elucidativo e bem escrito texto de apresentação) e lançada pela competente editora Mundo Cristão.
É inevitável deixar de externar o regozijo que essa experiência literária proporcionou. Não apenas isso ? regozijo ?, porém. Sublinho, com especial ênfase, a importância e o valor dessa leitura como etapa à formação e à consolidação espiritual, sempre em desenvolvimento ? e, por vezes, em entrechoque ? no íntimo de cada um de nós. Espiritualidade, frise-se, em seu conceito mais amplo, não atrelada e não jungida, portanto, e necessariamente, a uma religião ou a um credo específicos, mas a algo maior. A algo que podemos chamar, soberanamente, e na linha apregoada pelo autor, de fé, tão-somente. Fé que, conferindo sentido à vida ? nos limites das nossas finitas e estreitas compreensões ?, tem o condão de unir as pessoas, independentemente de rubricas ou de rótulos, por meio do amor, da compaixão, da caridade, da compreensão e de outros valores análogos.
De "Uma confissão", não espere leitura simples. O desconforto não é, porém, resultado do linguajar empregado ? afinal, o autor não prodigalizava na erudição ?, mas fruto, sobretudo, da própria natureza dos assuntos abordados. Isto porque, em Uma confissão, Tolstói desenvolveu, em ensaio autobiográfico, uma narrativa que enfrentou, sem embaraços, temas habitualmente tratados como tabus ? a exemplo da problemática da morte, do suicídio e de crises (existenciais e de fé) ?, fazendo-o sempre de maneira explícita e direta, escancarando, aos olhos do leitor, digressões por vezes impactantes e, até mesmo, lúgubres.
A mensagem transmitida, todavia, não é a de desalento ou de pessimismo. É, na realidade, a de esperança. De ressignificação. De busca da verdade por meio da prática do bem, sintonizando aquilo que se apregoa com aquilo que se vive. Mensagem, sobretudo, de fé. Fé, repita-se, ligada ao fio condutor, imaterial e invisível, dos valores universais e atemporais que devem nortear as pessoas rumo à luz, ao conhecimento e ao aprimoramento. Fio condutor que habita acima e além de religiões específicas, tal como a coluna que, sustentando a corda trançada, mantém o corpo em perfeito estado equilíbrio, impedindo a sua queda em direção ao vazio do abismo infinito existente sob nós (alusão ao enigmático e misterioso sonho descrito pelo autor ao final da obra em comento).
É sobre o paulatino - e, por vezes, vagaroso - processo de reconstrução pessoal que o autor lançou luz em "Uma confissão". Fazendo-o ? ao compartilhar experiência íntima e recôndita ?, inspirou e, por certo, inspirará a muitas pessoas rumo ao caminho do bem (dentro daquilo que o autor assim o considerava). Deixou, assim, importante legado àqueles que lhe sucederam, eternizando lições atemporais e, justamente por isso, sempre atuais. Em tempos de pandemia, uma leitura essencial, conquanto densa (pela própria natureza das ideias expressadas).
Da tradução, sublinho: tecer considerações é incorrer em redundância. Afinal, os sempre merecidíssimos elogios de que o romancista Rubens Figueiredo é merecedor e credor já foram, à exaustão, enfatizados, esgotados e consolidados, ao longo do tempo, pelos unânimes relatos externados por aqueles que, em algum momento, tiveram contato com as obras por ele excelentemente traduzidas e/ou escritas. Tradutor de clássicos como Anna Kariênina, Guerra & Paz, Pais e Filhos e Oblómov, os elogios a que Rubens Figueiredo faz jus se afiguram, como se vê, evidentes e autoexplicativos. Em "Uma confissão", a narrativa, convertida ao português, é conduzida de maneira fluida e clara, transmitindo ao leitor rápida compreensão e captação do sentido das ideias, nos limites daquilo que a complexidade de uma obra como a de Tolstói permite.
Pela qualidade indisputável do autor e pelas múltiplas características positivas acima ressaltadas ? da narrativa e da tradução, seja no conteúdo, seja na forma ?, louvo a editora Mundo Cristão pela iniciativa de colocar no mercado trabalho de tamanha relevância e impacto.
Leitura altamente recomendável.