Luíza | ig: @odisseiadelivros 14/02/2020A saída do casuloUm bom livro apresenta histórias ocultas diante a uma principal. E assim Lygia nos apresenta “Verão no aquário” (1964), com seus personagens ambíguos que nos revelam suas camadas, uma de cada vez, pelo olhar da protagonista, Raíza.
Esse foi meu segundo romance da Lygia. O primeiro, “Ciranda de pedra”, me impressionou muito. Aqui ela repete a linguagem utilizada, podendo ser um pouco confusa no começo, assim como pensamentos aparentemente desconexos da personagem que, indo mais a fundo, talvez possam ter sentido.
Em “Verão no aquário”, a personagem principal possui, visivelmente, um conflito com a mãe. O pai, alcoólatra, falecera quando ela ainda era criança. De herança, poucas de uma farmácia falida, um irmão considerado louco e uma sobrinha, Marfa, melhor amiga de Raíza. Ao decorrer da narrativa, descobrimos uma relação muito forte de Raíza com seu pai – quando criança, ela escondia as garrafas e taças de bebida para que a mãe não visse – e a constante oposição à mãe, uma escritora famosa de romances, que ela acredita ter um caso com um homem mais jovem, André, em crise devido a possível decisão de uma vida eclesiástica.
A desconfiança da filha a respeito da mãe faz com que cresça a dissensão entre elas. Além disso, Raíza, acredito – embora não tenha ficado explícito –, no auge de seus vinte e poucos anos, possui uma vida social muito ativa, bebe, fuma, sai para festas com os amigos e se envolve com homens mais velhos. André, para ela, é alvo de disputa, já que assim ela considera estar provocando a mãe. E talvez se tornando mais próxima à ela.
No decorrer do livro, parece que estamos vendo um verdadeiro aquário. Estamos dentro ou fora dele? Não sabemos bem. Raíza o observa, mas também participa dele. O que representa o aquário? Talvez a miséria dos pequenos “problemas domésticos”. Talvez o próprio ato de emergir, de sair do casulo, de crescimento, o qual Raíza está em processo. Um processo lento, cheio de idas e vindas, como as ondas de um mar no qual um peixe, confinado em um aquário, nunca vai encontrar.
Acredito que seja importante ressaltar a personalidade da personagem principal. Imprevisível, pouco passível de confiança, embora nos afeiçoemos a ela durante a narrativa, já que sua vontade de mudança parece deixá-la mais viva. Ainda assim, como já dito, não é um processo linear, é curvilíneo. Ela, confusa com as questões de desconfiança que permeiam sua vida, volta vez ou outra a praticar suas “pequenas perversidades” – as provocações àqueles que ela diz amar, sua tia, sua mãe, sua prima, seus amores.
Qual o destino do peixe? O final não deixa claro, mas espero que ele vá ao encontro do mar, agora que o verão terminou.