Lucas1429 30/11/2021
Revolução de verão (fora do aquário)
Me adianto a justificar as três estrelas: antes elogiosas que pejorativas, anotadas pois de um afeto comedido, pessoal. Lygia é minha autora brasileira cativa, e este livro com sua pontaria certeira, como só a menina de São Paulo sabe lançar fogo, vem tímido após grandiosos monumentos, tais quais "As Meninas" e "Ciranda de Pedra" - em minha ordem de leitura, não cronológica de edição. Citando os romances; nos contos, similar à prosa Lispectoriana, a soberba é ainda maior, e acompanhada de razão.
Mas aos louros: Lygia mais uma vez trespassou o status de escritora da burguesia, ela simplesmente tem o prazer de detoná-la, incitá-la e desnudar sua mea culpa. São esses seres complexos, quiçá economicamente distantes, que datam da vivência da autora que as expressa em redução de danos. E como não apreciá-las em seus tempos datados, em que a obra romanceada vem completa do pretérito secular, período de desassossego social e político. Na frente da urbanização crescente e desagregação familiar, suas jovens protagonistas, sempre mulheres, cumplices de sua criadora, sempre avistam os espectros contemporâneos e vindouros. Raíza aqui, portanto, é uma jovem adulta preparada para o mergulho além mar, fora da caixinha vitral título - aliás, as metáforas são presenças pertinentes em cada traçado do texto.
Com ela, acompanhamos sua trajetória narrada nos meandros dos anos 60 (data de publicação, também) como a própria peça-chave de seus acontecimentos. Cercada de regaços juvenis típicos, namorados, festas, bebidas, Lygia lhe permite transcender contra o tradicionalismo (ela que sempre liberta suas criações do moralismo, fazendo isso mesmo, concedendo liberdade); mas muito em vão, Raíza é perdida em sua confluência característica. Mais ainda no enamoramento platônico por André, um seminarista amigo íntimo de sua mãe que ela julga serem amantes. Trava sua guerra pessoal materna ali. Isto, soa como um capricho imaturo; contata-se maduro aos olhos do espectador ao longo das páginas até seu fim.
A obra aflui, talento de sua criadora, costura-se bem espécimes corriqueiros de um bem comum qualquer, pessoas de tipos, tamanhos e comportamentos, tias pacatas, primas esparramadas, amantes singulares, condutores do entorno de Raíza, em que até mesmo Patrícia, sua mãe disciplinada a martelar a máquina de escrever diariamente na concepção do novo romance, não escapa da postura que a filha atribuí como detratora de sua relação com a progenitora. A jovem é apenas conciliadora de sua internalizada jornada inconclusa, perdida (em andamento). Na busca por respostas, na estirada disposta para nós por Lygia, é clara a defesa à protagonista: ela espelha-se em milhões de rostos a fora. Nosso verão permeia-se de atitudes de enclausuramento inato, acalorados, superados quando possível na mudança de estação. Há aí a joia que pode se exprimir em corações leitores a avaliá-lo melhor, juro que não ficarei malogrado.