Lina DC 25/06/2017A trama é narrada em terceira pessoa e se passa no Brasil Colônia, no final do século XVIII, no ano de 1792. O cenário é a Fazenda Capela, um canavial que tem como capataz, Antônio Batista da Cunha Vasconcelos Segundo, um homem de 35 anos de idade e o primogênito do grão-senhor da fazenda.
Antônio é um homem rude, sádico, que sente prazer ao infligir um castigo. Sua preocupação não é com a fazenda em si, seus lucros e administração e sim em ter o poder de controlar a vida e a morte dos escravos que ele considera suas propriedades. Além dele, outros funcionários da fazenda, como Jonas, Fagundes e Irineu apreciam a sua função da mesma forma que o capataz, sem receios em usar a mão pesada, até mesmo quando é desnecessário.
"Tendo as costas do escravo como tela, o feitor pincelava de vermelho o seu escárnio. Naquela aquarela abstrata de sangue e suor, a dor encontrava bem o seu entorno." (p. 13)
Entre essas "propriedades" encontra-se Sabola Atiwala, comprado recentemente. Sem falar o idioma, raptado de seu lar e levado a força para um campo de trabalho escravo, Sabola não se conforma com a sua nova realidade e se torna o novo alvo da fúria de Antônio.
O grão-senhor da fazenda, o senhor Antônio Batista é um homem pragmático que, apesar de não apreciar os excessos do filho mais velho, também não se importa com os escravos. Desde que eles consigam trabalhar, o resto não importa. É um homem que mantêm inúmeros segredos, principalmente de seu filho mais novo, Inácio Batista.
Inácio retorna após passar cinco anos estudando medicina da Universidade de Coimbra, em Portugal. Diferentemente do irmão e do pai, ele não apoia a escravidão e enxerga os escravos como seres humanos. Ao chegar na fazenda, ele fica chocado com a brutalidade do irmão, mas sua visão não é levada a sério. Para o pai, apesar de Inácio saber argumentar bem, suas ideias são liberais demais e não se encaixam na realizada da Fazenda Capela. Antônio, por sua vez, demonstra claro ressentimento em relação ao seu irmão engomadinho. Para ele, Inácio não passa de um garotinho mimado, que não sabe colocar a mão na massa e que se mete onde não é chamado. Afinal, é Antônio que trabalha na fazenda e diariamente controla a vida dos escravos.
Enquanto a rotina da Fazenda segue, Sabola vai ficando cada vez mais inconformado com sua realidade e com a ajuda de Fortunato, um outro escravo, ele tem um plano. Infelizmente, sua morte é iminente e brutal... Após sua morte, estranhos acontecimentos começam a se desenrolar e um massacre surge.
"As pás foram movidas e o defunto desmembrado começou a ser enterrado sem sequer terem lhe retirado o saco encharcado de sangue da cabeça. Apenas a boca escancarada, que insistentemente buscara o ar nos seus últimos suspiros, estava descoberta e não foi poupada de ser alimentada com a terra que o encobria." (p. 100)
A construção do livro é espetacular. O autor mesclou o folclore popular com um pedaço vergonhoso de nossa história e criou personagens verossímeis, que representam os verdadeiros monstros que existem. O uso de uma situação verídica torna o enredo não apenas mais crível, mas também mais doloroso. O leitor acompanha a hipocrisia da época, onde os senhores de fazenda tratam os escravos como animais, mas também abusam das mulheres para afogar suas necessidades.
"O Escravo de Capela" é um livro com um enredo forte e impactante por demonstrar em suas linhas o tratamento brutal que os escravos sofriam. Mas também é uma obra reflexiva, inteligente e repleta de reviravoltas que tem um final criativo e de tirar o fôlego.
Envolta por segredos, a história da Fazenda Capela é uma obra extraordinária e inesquecível. A escrita é fluida, bem construída e cativante.
Em relação à revisão, diagramação e layout a Faro Editorial realizou um trabalho excepcional. O livro é cheio de detalhes internos, a revisão está bem feita e o livro chama a atenção.