Grazi Comenta 08/11/2017Representação feminina na ficção científica!Sabe aquele livro que vem no período histórico certo pra gente ler? Então, esse é Os Despossuídos. Na verdade, a maioria dos livros de ficção científica faz muito sentido em qualquer época, haha, mas realmente pegou certinho com certas ameaças entre dois certos países. Anyway, bora lá.
“Jamais ele tinha tido iguais. E no entanto aqui, nos domínios da desigualdade, ele finalmente os encontrava.''
Os Despossuídos é ambientado entre dois planetas opostos: Urras, que vive um período que faz alusão à Guerra Fria, com duas super potências, uma capitalista e outra socialista, que disputam o controle do mundo e no momento estão dando suporte a um conflito em outro país, do outro lado do planeta (creio que esta parte da narrativa foi inspirada na Guerra do Vietnã) e Anarres, sua lua, que tornou-se um ''planeta'' habitado vivendo um anarquismo ''utópico''. Este foi construído por um acordo de exilamento dos rebeldes fracassados de uma revolução anterior. Desde então, esse povo vive em isolamento. Eles são os Despossuídos.
Mas o que significa ''despossuídos''? Que não estão sob posse de algo ou de alguém. Na sociedade de Anarres não há posse, portanto. Não há pronomes que encorajem este tipo de pensamento. Há uma sensação geral de coletividade.
Com estas duas sociedades ultra diferentes é construída a história de Shevek, um físico natural de Anarres que viaja a Urras para trabalhar em sua teoria de simultaneidade do tempo. Note que apesar de ser uma sociedade coletiva, ela não permite que Shevek desenvolva sua curiosa e compartilhe seu conhecimento. Ele então faz uma viagem jamais vista em Anarres. É com ele que vemos as dicotomias entre os planetas e suas características ajudam a formar o protagonista. Nada nesse livro aparece por acaso. Cada capítulo, alternadamente, se passa numa das sociedades e aos poucos vamos desvendando a intenção de Guin ao escrever essas obra.
No passado de Shevek, temos os capítulos sobre Anarres que vai sendo construída de modo realístico, sem exageros e muito interessante. No presente de Shevek temos os capítulos sobre Urras, que é basicamente uma crítica do nosso mundo real, mas fica claro que a narrativa quer nos fazer pensar. Nenhuma das sociedades é totalmente ruim ou totalmente boa. As ambiguidades vão sendo desvendadas e vamos nos convencendo do que está sendo vendido. Não há certo ou errado. Não há tentativa de forçar uma ideologia goela-abaixo. Úrsula utiliza esses planetas para nos mostrar a construção das sociedades e como suas relações nos atingem.
As tramas lembram um pouquinho o estilo de Estranho Numa Terra Estranha, afinal estamos acompanhando um cara numa terra diferente da sua de origem, mas difere no modo como trabalha a sociedade. Úrsula é pungente e incisiva, sem rodeios, mas trabalha tudo com calma. Este livro não é para quem espera tramas cheias de reviravoltas e plot twists. É mais uma sci-fi para pensar.
Os Despossuídos é, portanto, um livro complexo, com certa pompa nos conteúdos que trabalha, linear e feito para nos tirar de nossa zona de conforto. Pode entediar os iniciantes, mas para os fãs do gênero com certeza é obrigatório.
P.S.: Sobre a edição - simples e bonita. Não sei se o laranja forte contrastando com o branco foi feito pensando em demonstrar que esse seria um livro de opostos, mas ficou mais legal ainda após leitura. A diagramação é simples. Fonte adequada e páginas amareladas
site:
http://cantaremverso.blogspot.com.br/2017/10/resenha-os-despossuidos-ursula-le-guin.html