paulina 21/01/2023
Primeiro eu tive um certo desconforto com o estilo de escrita pelo fato de ele ser bem descritivo e minhas últimas leituras serem mais introspectivas. Segundo eu levei um bom tempo para compreender que um capítulo relata o passado em Anarres e o outro o presente em Urras.
Tirando esses dois desconfortos, foi uma leitura interessante. Anarres é um planeta (ou lua, como dizem) que foi colonizada por pessoas com ideais libertários e que implementaram o sistema anarquista. Aparentemente essa seria a utopia a qual a sinopse promete. Em Anarres há a inexistência de poder (seja poder como relação social, ou poder com relação a objetos), a sociedade segue o princípio de solidariedade que é o que viabiliza a eficácia desse sistema. Achei muito interessante que na narrativa fala-se a respeito dessa noção de hierarquia e propriedade serem conceitos desconhecidos empiricamente pelos anarrestis. No entanto, questões como as reflexões sobre liberdade de Shevek, situações em que cientistas usam de suas influências para "boicotar" Shevek, mostram que esse sistema tem suas falhas e que talvez não se trate de uma realidade utópica. E isso volta nas questões discutidas ao longo da obra: o que de fato é liberdade? É possível ter liberdade ou sempre seremos prisioneiros ou das leis, instituições ou dos costumes?
Por outro lado, Urras é um planeta que é o contrário de Anarresti, porque nele é possível ver a existência de Estados que exercem poder sobre as pessoas. Ao contrário do que a maioria das resenhas aqui dizem, Urras não é um planeta capitalista. O país A-Io é capitalista e Thu é socialista. E essa sutileza eu avalio como de extrema importância, porque apesar de terem princípios diferentes, tanto o socialismo quanto o capitalismo estão dentro de uma estrutura em que há uma lógica de poder (seja a burguesia no poder, seja o proletariado no poder), ao contrário do anarquismo, cujo princípio é ser contra toda forma de poder. Na vivência de Shevek em Urras, especificamente em A-Io, é possível ver uma sociedade capitalista, marcada pela desigualdade social e ausência de altruísmo.
Em meio aos contextos políticos em que Shevek está inserido, tem o desenvolvimento de sua teoria científica e um conflito moral quando o protagonista percebe que até a ciência (ou melhor, a divulgação científica e a aplicabilidade de um conhecimento científico) está estritamente vinculada a uma série de princípios ideológicos.
3 estrelas porque o estilo da escrita é cansativo, mas essa é uma opinião pessoal, não uma análise técnica do texto, porque, em conformidade com o gênero, faz todo sentido que seja mais descritivo. No início é ainda mais cansativo, mas depois a escrita vai melhorando.