Nay Moura 05/01/2018
Assim na terra como embaixo da terra, Ana Paula Maia.
?O confinamento de homens assemelha-se a um curral de animais. O gado é abatido para transformar em alimentos; os homens, por sua vez, são abatidos para deixarem de existir. Não é um lugar de recuperação ou coisa que o valha, é um curral para se amontoarem os indesejados, muito semelhante aos espaços destinados às montanhas de lixo, que ninguém quer lembrar que existem, ver ou sentir seus odores.???? ?? ??? ?? ? ? ? ??? ?? ? ??? ?? ? ??? ?? ??? ?? ??? ?? ? ? ? ??? ?? ? ??? ?? ? ?Assim na terra como embaixo da terra? nos apresenta uma colônia penal isolada, um terreno com um histórico tenebroso de assassinato e tortura, construída para ser um modelo de detenção do qual preso nenhum fugiria, torna-se campo de extermínio. Espécie de capitão do mato/carcereiro, Melquíades é o algoz dos presos, caçando e matando-os como animais, apenas por satisfação pessoal. Os presos, cada qual com sua história, estão sempre planejando a própria fuga, sem saber se vão acabar mortos pelos guardas ou pelo que os espera do lado de fora da Colônia.
Na teoria a Colônia foi desenvolvida para abrigar criminosos condenados para uma espécie de reabilitação, sendo possível realocá-los na sociedade futuramente. Mas na prática a Colônia funciona como um abatedouro. Esses condenados não são apenas confinados, eles fazem parte de uma ?caçada? e todos ali dentro estão destinados a morrer.
Não há entre esse condenados nenhum inocente, eles estão lá por terem cometido crimes brutais. Em contrapartida, os funcionários regem o lugar com sadismo transformando-o em um campo de extermínio.
Essa Colônia é bem parecida com a que já vimos com o Kafka, na qual vivem sujeitos marginais embrutecidos. Um submundo longe de todo e qualquer resquício de dignidade humana onde habita apenas maldade. Uma maldade quase mística, podemos assim dizer.
Além das referências à obra kafkiana, assim como ele, Ana Paula também utiliza sua prosa para reflexões acerca do sistema penal. Sem propor escolhermos lados, ela apresenta diversas vertentes dos seus personagens, sobretudo no que diz respeito a humanidade deles, ou melhor dizendo, sobre a DESUMANIDADE dentro do ambiente da Colônia.
???
É um livro cheio de simbologias, a autora tem uma escrita simples e constrói a estória de forma bem articulado e instigante.
Antes da leitura eu achei que o título era uma espécie de alegoria religiosa, porém a referência é bem literal, uma alusão ao fato de os presos serem vistos como propriedade do Estado, e da sensação geral de não pertencimento de si mesmo, tanto fazendo eles estarem ?na terra ou embaixo da terra? eles não são nada. Isso é uma clara menção a situação dos Escravos, até porque no passado a Colônia foi um lugar de tortura e extermínio deles, um tipo de Calvário Negro.
É claro que Escravos não eram bandidos, eles foram vítimas enquanto que os personagens deste livro não são, e a autora tem o cuidado de deixar isso bem claro. Mas é inevitável não fazermos um comparativo no que diz respeito às condições em que os confinados são submetidos. E é aí que a crítica ao sistema penal se acentua, visto que a grande maioria da população carcerária do Brasil é negra. O que incita o debate a respeito da situação do negro no país desde a escravidão.
A cabeça do Javali desenhada na capa é uma importante referência a própria estória, está diretamente ligada a relação homem/animal e a linha tênue que os separa, como bem resume o quote posto no começo dessa resenha.
Foi o primeiro livro que li da autora e eu gostei muito de como ela construiu a trama, os seus personagens e mais ainda como a sua crítica presente dialoga com fatos do passado.
Recomedadíssimo.
Visite meu Instagram Literário: @resenhasdanaymouraf