Amanda 07/05/2018O aço é a respostaConclusões sempre são arriscadas, a meu ver. Precisamos de respostas, de conexões, nos apegamos aos personagens e imaginamos seus desfechos. Queremos que acabe deste ou daquele modo e toda essa responsabilidade está nas mãos do autor. Já comentei por aqui que Abercrombie é ousado e implacável em sua escrita e isso não muda em Meia Guerra. Aliás, essas são as características primordiais da trilogia e interferem diretamente nesta jornada até a finalização.
Sempre que o leitor se pega pensando “mas ele não pode fazer isso”... bem, ele pode sim. Ele faz, doa a quem doer. Para uma trilogia que começou, repito o que disse na resenha de Meio Mundo, com uma premissa aparentemente tão clichê, pautada na promessa de vingança de Yarvi, é um choque acompanhar sua trajetória, sua evolução. Joe Abercrombie pega o caminho inverso de muitos Young Adults e pesa um pouco mais a mão a cada página, amadurecendo seu jovem leitor à medida que a história progride.
Um dos pontos mais destacados por mim em Meia Guerra foram as referências à cultura nórdica mais claras do que nos volumes anteriores. Sempre houveram alusões, como o comércio marítimo, os saques, as incursões, as paredes de escudos, mas agora temos um contato mais sólido com rituais pagãos, tradições, superstições. Isso enriqueceu muito a trama, nos dando um panorama mais completo desse mundo e uma camada a mais para explorar.
“Palavras bem escolhidas resolvem a maior parte dos problemas, só que, por sua experiência, o aço bem afiado é ótimo para lidar com os que sobram”.
Novamente, somos apresentados a novos personagens principais e novos pontos de vista, assim como o autor já havia feito em Meio Mundo. Conhecemos, então, a princesa Skara, o lacaio Raith e entramos no ponto de vista de Koll. Sempre há uma passagem temporal indefinida, porém curta, entre os livros, suficiente para os personagens anteriores terem crescido e amadurecido. Assim, ainda temos a presença de Yarvi, Thorn, os reis Uthil e Grom-gil-gorm, a rainha Laithlin, avó Wexen e o Rei Supremo, entre outros. Porém, o foco agora é nos mais jovens. Isso deu certo em Meio Mundo mas, em Meia Guerra não foi bem assim.
“– Os homens vão discutir de quem era o peito mais cabeludo e o rugido mais alto. Os bardos vão cantar sobre o aço reluzindo e o sangue derramado. Mas o plano foi seu. A vontade foi sua. Suas foram as palavras que mandaram esses homens cumprir com seu propósito”.
Thorn era interessante, raivosa, divertida, ao passo que a princesa Skara não me pareceu uma troca muito justa. Thorn nos foi entregue pronta, bem construída desde a primeira impressão e aprofundada aos poucos. Skara, não. Por causa do desenrolar dos eventos, Skara cresce rápido demais de uma menininha chata e chorona para uma das mulheres mais poderosas da trama. Não há uma evolução tão natural e a personalidade dela não é cativante, é apenas ok. Raith é outro personagem que ficou aquém de Yarvi e de Brand, pontos de vista do primeiro e segundo livros. Também sem uma grande motivação, buscando uma redenção que não nos conta nenhuma grande novidade. Senti falta de personagens mais interessantes, como é tão comum nas criações de Abercrombie. Não chega a desmerecer a leitura e os leitores talvez nem se incomodem com isso, mas fica a ressalva.
No entanto, a presença feminina continuou firme e forte. É inegável que é a escrita de um homem sobre mulheres, mas não há nenhum problema nisso porque é extremamente bem feita. Abercrombie não é de trabalhar com diferenças entre os gêneros – apesar de existirem no mundo do Mar Despedaçado papéis sociais mais esperados de mulheres do que de homens. O autor deixa claro ao não atribuir características estereotipadas a nenhum dos lados, demonstrando não ser essa a sua visão. As mulheres promovem uma representatividade que nos enche de orgulho.
O que permanece como constante em todos os três livros é a presença imponente de Yarvi. Cada vez mais manipulador, ele é o artifício de Abercrombie para puxar todas as linhas dessa trama, sem deixar nenhuma ponta solta. Yarvi é o maestro do Mar Despedaçado, ditando o tom da história mesmo nas sequências onde não é citado. Ele é uma presença incansável de forma a surpreender o leitor.
“Com muita frequência, quando derrubamos uma coisa odiosa, em vez de quebrá-la e começar do zero, nós nos colocamos no lugar dela”.
Meia Guerra é cheio de ação e artimanhas. Os livros anteriores preparam o terreno para o combate, mas senti uma demora para chegar na guerra propriamente dita. Esse tempo foi gasto com mais joguetes e diplomacia e isto poderia ter sido encurtado ou preenchido com elementos não tão explorados, como o reino da Imperatriz do Sul ou as relíquias élficas de tempos passados. Faltou falar mais sobre eles, tendo ficado mais na nossa imaginação do que no papel. O combate em si continua ótimo e imprevisível, mas, pessoalmente, as soluções apresentadas me pareceram um pouco fáceis, apesar de serem bem plausíveis.
Mais do que guerra e violência, esta é uma história de escolhas e consequências, prioridades, força e amadurecimento. Meia Guerra conclui muito bem a história do Mar Despedaçado e torna esta uma das trilogias obrigatórias para qualquer fã de fantasia, do mais jovem ao mais experiente, desde o mais clássico ao mais revolucionário.
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