Renan Barcelos 07/10/2016
Mais um Livro de Cornwell e Nada Mais
Com sua tradição de romances baseados em eventos históricos onde personagens fictícios vivem períodos conturbados, o historiador britânico Bernard Cornwell é bastante conhecido por seus livros que exploram uma realidade suja e sem pudor e a sanguinolência das guerras do passado. Essa é uma fórmula que O Arqueiro, primeiro exemplar da Trilogia do Graal – que é ambientada na Guerra dos 100 Anos –, não se preocupa em alterar. O resultado é uma obra divertida, com certos atrativos, mas que reproduz tanto o modelo de Cornwell que sua leitura acaba só podendo ser recomendada de forma bastante pontual.
O livro abre com todo o jeitão de “A Jornada do Herói”. O protagonista, Thomas, filho de um padre um tanto excêntrico, é um dos poucos sobreviventes do massacre do vilarejo onde morava, Hookton, evento que acaba fazendo com que o jovem embarque para a Bretanha, na França, onde participa dos confrontos iniciais do que viria a ser a Guerra dos 100 Anos em uma unidade de arqueiros ingleses. Sob o comando de um mercenário que ascendeu a um posto de comando, Thomas se mostra um soldado competente na matança e sagaz nas estratégias – assim como cada um dos protagonistas de cada livro de Bernard Cornwell parecem ser – e ele estaria satisfeito em apenas seguir com sua vida no exército. Contudo, o roubo de uma relíquia que estava na igreja de sua cidade natal, bem como descobertas sobre o seu pai, fazem com que ele tenha que se preocupar com outras coisas além da guerra.
Thomas até pode não saber o que lhe aguarda, mas, para o leitor, é bem claro o tipo de situação que vai acontecer no livro. Desde o início da obra, fica claro que o protagonista não é apenas um camponês que se meteu numa situação maior do que ele mesmo. Chega até a ser um pouco cansativa a forma como Thomas é tratado. Além de não existir segredo nenhum de que ele é de uma família nobre, coisa explicitada em diálogo logo no início do livro, Cornwell faz questão de tornar o personagem alguém “especial”. Fluente em inglês, francês e latim, o arqueiro se veste todo de negro, leva um brasão desconhecido em seu arco, também negro, e possui uma longa trança que vai até a cintura. Com essas características, ele certamente entra para o rol de personagens mais exagerados do autor, que, em geral, consegue criar protagonistas que vão se tornando interessantes e crescendo conforme a história progride, sem receber um tratamento tão artificial para terem cara de herói logo no início da história.
Em algumas obras, mesmo quando o protagonista não consegue se mostrar interessante ou bem escrito, os coadjuvantes acabam salvando o dia. Isso não acontece em O Arqueiro. Logo no início são apresentados Simon Jekyll, um cavaleiro belo, mas extremamente pobre e ganancioso, e também Jeannete, filha de comerciantes que havia ingressado na nobreza devido a um casamento, personagens que prometem ser mais interessantes do que Thomas - e ficam só na promessa.
No caso do cavaleiro, que poderia ser tratado de uma forma bastante interessante devido a toda sua ambiguidade moral, parece haver todo um esforço para retratá-lo como um vilão. Ou melhor, não como um vilão, mas como alguém desagradável e obtuso. Aquele tipo caricato de personalidade que parece existir apenas para contrastar com o protagonista e enaltecer suas qualidades. Quanto a Jeannete, essa sim era uma personagem que prometia, Introduzida como uma das besteiras que defendia as muralhas da cidade de La Roche-Derrien, apelidada de Blackbird devido aos seus cabelos negros, parecia que ela seria uma personalidade interessante, talvez até uma espécie de guerreira à la Joana D’Arc. No entanto, a ilusão se mantém apenas por alguns capítulos e ela logo acaba se mostrando ingênua e dependente, jogando um balde de água fria nas impressões iniciais que o autor cria dela.
Com exceção de Nimue, nas Crônicas de Arthur, Bernard Cornwell não parece ter muita habilidade em apresentar personagens femininos interessantes, talvez devendo buscar algumas inspirações no seriado Vikings para tanto. Contudo, no que toca às qualidades das obras de Cornwell, elas mais uma vez estão presentes em O Arqueiro. O que significa que há longas passagens retratando combates.
Não é apenas uma questão de escaramuças pequenas, descrições de cada golpe e movimento dos personagens lutadores ou coisa parecida que se vê em algumas obras de fantasia medieval. Cornwell descreve verdadeiras batalhas, grandiosas, violentas e brutais. Páginas e páginas de O Arqueiro são usadas para descrever confrontos completos, incluindo todo o posicionamento dos exércitos, o tempo ocioso dos soldados, os ânimos dos participantes e então mais uma série de momentos falando sobre mortes e sangue e más decisões.
E nada disso é chato ou parece perda de tempo. É realmente interessante ver a forma como Cornwell compõe os cenários, os ânimos dos exércitos e as formas como as batalhas funcionavam. É provável que existam exageros e que, mesmo com toda pesquisa e conhecimento que parece possuir, nem tudo sobre o funcionamento da guerra medieval possa ser tomado como verdade. No entanto, a forma como o autor expõe as batalhas e a organização do exército é bastante lógica e verossímil. E, se não se pode confiar completamente no dia-a-dia demonstrado em sua obra, pelo menos a sequência de eventos utilizada é realmente histórica e as batalhas representadas no livro de fato aconteceram na ordem descrita e se desenvolveram como apresentado na obra.
Isso pode ser um ponto a favor de O Arqueiro, mas é de se considerar que praticamente todas as obras de Cornwell compartilham dessas qualidades, inclusive, com melhor execução. Se no primeiro título de A Busca do Graal a missão pessoal do protagonista parece um pouco forçada e um tanto desinteressante, em O Rei do Inverno a vida e personalidade de Derfel Cadarn são mais interessantes e bem trabalhadas. Se O Arqueiro apresenta batalhas muito bem descritas e mostra o início da Guerra dos 100 Anos, as Crônicas Saxônicas fazem um papel muito melhor, mostrando um personagem que vai aprendendo a lutar e planejar no mesmo passo em que o leitor vai conhecendo as noções de guerra utilizadas na época do livro, além de mostrar com mais profundidade o período histórico.
Existem sim atrativos em O Arqueiro. Um leitor veterano das obras de Cornwell talvez ache interessante acompanhar um protagonista que, pra variar, não usa uma espada na Idade Média. Ou então tenha curiosidade em saber como ficaria a narrativa de Cornwell utilizando a terceira pessoa e não a primeira, da qual o autor se vale em seus outros livros de temática medieval. No entanto, são altas as chances da leitura decepcionar por não trazer nada de muito novo e apenas requentar um estilo de contar história que já é bem conhecido.
No fim das contas, O Arqueiro se torna um livro que acaba não encontrando muito espaço. É bem possível que a leitura dele traga bons momentos e deixe o leitor na expectativa por mais, mesmo que esse mais não seja exatamente pela sua história, e sim pelas batalhas apresentadas e pelo período histórico apresentado. Mas a obra não consegue de forma alguma se destacar dentro do bibliografia do autor, sendo muito mais recomendado a leitura de séries como as Crônicas Saxônicas, a Trilogia de Artur e até mesmo as Aventuras de Sharpe, para variar um pouco do tema medieval e ainda assim desfrutar da especialidade de Bernard Cornwell em narrar guerras e batalhas.
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