Julia G 14/06/2018O Colecionador de MemóriasConheci a escrita de Cecelia Ahern há alguns anos, por seu livro mais famoso: P.S. Eu te amo. Eu amei aquele livro, chorei e sofri e senti tanto que ainda guardo na memória alguns detalhes que foram, de fato, marcantes. Um tempo depois, tive a oportunidade de ler O presente, outro título da autora, uma leitura que não foi tão positiva quanto a primeira experiência, mas que trouxe boas mensagens. O colecionador de memórias está entre um e outro, não tão bonito quanto o primeiro, mas mais tocante do que o segundo.
O livro é narrado pela perspectiva de dois personagens, com capítulos intercalados entre eles, sempre em primeira pessoa. Não li a sinopse antes de começar a leitura, então não ficou muito claro para mim, a princípio, quando se tratava de um ou de outro; com o passar das páginas, percebi que um deles era mulher, o outro, homem, e que cada capítulo era iniciado com o título "Jogando bolinhas de gude" ou "Regras da piscina" para identificar o narrador. De início, também não notei a relação entre os dois personagens, mas logo ela é destacada: de um lado, Sabrina começa a buscar a verdade sobre seu pai, um homem que, ao que parece, ela não conhece de verdade; de outro, Fergus retoma as memórias de sua infância e adolescência, de seu casamento e dos motivos que o levaram a ocultar uma parte importante de si mesmo.
"Parece que quando me lembro de uma pessoa, não é na pessoa do dia a dia que penso, e sim nos momentos mais dramáticos ou nos momentos em que as pessoas mostraram mais do seu lado que geralmente fica oculto."
A escrita de Cecelia Ahern é fácil e envolvente e torna a leitura agradável e rápida. A autora não se preocupa em utilizar palavras difíceis ou mensagens cifradas, trata-se de uma escrita direta e acessível para leitores jovens ou mais experientes.
Por outro lado, essa linguagem fácil contrasta com as mensagens de peso trazidas pela autora. Acho tocante como Ahern consegue transformar histórias cotidianas em aprendizados, e isso acontece também nesse livro. Para isso, ela cria personagens comuns e verídicos, cheios de verdades só suas, mas bem representados pelos acertos e erros, pelos valores e imperfeições. São humanos.
Sabrina, por exemplo, está nitidamente cansada e entediada de seu dia a dia, mas na busca pelas verdades sobre o pai, faz descobertas sobre si mesma. Ela tinha tudo para ser uma personagem chata e irritante, mas consegui me conectar com seus sentimentos e, mesmo quando não concordava com ela, existia empatia. Também Fergus teve esses momentos, já que ele preferiu se ocultar e, mais tarde, não sabia mais como voltar a ser ele mesmo.
Acredito que a trama seja muito mais sobre perceber e assumir quem somos de fato, pois ela mostra que tentar mascarar isso só cria teias de mentiras que se tornam cada vez mais complicadas e, o que é pior, não nos faz feliz. Tentar se tornar algo diferente por alguém é deixar de lado o que nos torna nós mesmos, e ninguém consegue viver assim por muito tempo.
O colecionador de memórias não é aquele tipo de livro que traz grandes revelações ou reviravoltas, então quem espera algo assim provavelmente irá se frustrar. Ele é mais sobre reflexões do cotidiano, aqueles pequenos insights do dia a dia que nos transformam aos poucos, mas que, em somatória, fazem grandes diferença.
site:
https://conjuntodaobra.blogspot.com/2018/05/o-colecionador-de-memorias-cecelia-ahern.html