spoiler visualizarRayssa Bonissatto @livrosdarayssa 16/02/2022
Maternidade não é item de checklist
O título do livro é aberta e extremamente irônico. Então, não julgue pela capa pq aqui é zero romantização da maternidade. E, se vc é daqueles que "a mulher só é completa com filhos" nem lê o que eu escrevi abaixo.
É uma ficção publicada em 1979 pela nigeriana Buchi Emecheta. É um dos livros de indicação da Chimamanda Ngozi Adichie, só por essa curadora já vale a pena.
A história se inicia em 1936 e acompanhamos a vida de Nnu Ego, mulher nigeriana, pertencente à tribo igbo, do interior da Nigéria.
Se muda para Lagos, devido a um casamento arranjado, consegue o que tanto queria: ser mãe. A tradição de sua cultura é assim: tenha filhos, terá felicidade e uma vida boa no futuro.
A vida de Nnu Ego foi repleta de sofrimento, renúncias, dores e sacrifícios. Ao final do livro ela indaga e leva o leitor a questionar: "será que valeu a pena?"
Nnu Ego nunca chegou a ter a vida confortável que um dia lhe fora prometida; ela nunca chega a ter uma vida só sua.
Para os de sua cultura, a imagem que fica é a da figura santificada, da maternidade idealizada, a mãe dedicada que de tudo fez pelos filhos e a quem literalmente é erguido um altar.
Não poderiam estar mais distantes da realidade.
Não é um livro autobiográfico, embora a história de Nnu Ego tenha muitos paralelos com a vida de Buchi Emecheta. Ela própria se casou muito nova, aos 16 anos. Mudou-se para Londres com o marido, viveu um casamento abusivo e teve cinco filhos. Aos 22, divorciou-se, um feito colossal para a época e para a sua condição de imigrante africana na Inglaterra. Seu ex-marido renegou os filhos e ela os criou sozinha, enfrentando as mais diversas dificuldades, num país estrangeiro, sem estudo e sem grandes recursos. E ainda confrontou-se com a decisão de uma de suas filhas, já crescida, de ir morar com o pai.
Ao se ter filhos é natural desejar sempre tê-los por perto, projetar alguns sonhos na vivência deles, no entanto uma das primeiras lições da maternidade é que os filhos são seres independentes que escolherão seus próprios caminhos.
Situações dramáticas, como a de Nnu Ego e da própria Buchi Emecheta, podem revelar ingratidão, indiferença, egoísmo e crueldade. Mas filhos não pertencem aos pais, são do mundo - amplo e cheio de atrativos.
Esse livro é arrebatador. São tantas reflexões que ele propõe: culturais, antropológicas, sociais, psicológicas e políticas. Tudo numa linguagem simples. O leitor degusta a leitura.Logo nos primeiros parágrafos somos imersos por uma situação, que nos prende de imediato.
E, de fato, AS ALEGRIAS DA MATERNIDADE reforça sua ironia, com uma mãe abandonada, mostrando que a maternidade é solitária, mas é necessário apoio, o amor dado ao filho pode não ser retribuído como esperado e que definitivamente maternidade não é item de checklist de uma mulher completa e realizada.
Um dos melhores livros que já li!