Leandro.Bonizi 26/10/2021
Trata-se de uma obra de autoajuda que defende o oposto do que a maioria dos livros desse gênero postulam (Um exemplo típico é o "Quem pensa enriquece", de Napoleon Hill, que eu li e também publiquei uma resenha aqui). É muito mais ácido e realista. Só para ilustrar, um capítulo é intitulado "Se mate". É difícil para mim imaginar um leitor que não tenha sentido umas "patadas" ao ler esse livro.
Primeiramente: você não é especial. Seus problemas não tem nada de originais. E a dor é inevitável, então precisamos escolher as dores com as quais vamos lidar. É impossível ficar bem o tempo todo; esse desejo é inútil. Cita o que o filósofo Alan Watts chama de "lei do esforço invertido": quanto mais tentamos ficar bem o tempo todo, mais insatisfeitos ficamos. Fala do "círculo vicioso infernal", em que estamos em determinado estado ruim (deprimidos, ansiosos, etc), e ficamos mais mal por estarmos nesse estado, e assim por diante, num retroalimentação sem fim. A causa de muitos problemas é a tentativa de evitá-los, ao invés de lidar com eles. Comportamentos nocivos quanto aos problemas são a negação e a vitimização, que são uma fuga temporária que pode trazer uma euforia temporária, e o problema da euforia é que ela vicia. E, como diz o título de um capítulo, "Um dia a casa cai".
Diferente de muitas ideias que tentam nos vender, a felicidade não é uma equação que pode ser solucionada. Dentre outros exemplos, cita um músico que foi expulso de uma banda, e a vingança foi a motivação de criar uma banda que atingisse mais sucesso que a que ele foi expulso. Ele formou o Megadeath, que vendeu 26 milhões de álbuns. Mas mesmo milionário, ele se tornou eternamente infeliz, pois a banda a qual ele foi expulso foi o Metalica, que vendeu 150 milhões de álbuns. E muitos sonhadores — entre os quais o próprio autor se incluiu — o são por quererem as regalias da fama. Se imaginam no topo da montanha, não na escalada, no processo para se chegar lá, que sempre envolve dor e muitas dificuldades. O autor cita adiante que os melhores valores são focados no processo.
Trata também de efeitos que a onipresença da tecnologia proporcionou. O primeiro é o que o psicólogo Barry Schwartz chama de "Paradoxo da escolha", num mundo em que há tantas opções que isso nos paralisa. Chama de "iluminação prática" descobrir o que é realmente importante. O segundo é permitir que, dentro da liberdade de expressão, nossa insegurança "jorre aos borbotões", e tornam maior o nosso desejo de nos vermos livres de qualquer um que possa discordar de nós. Não é de se estranhar que estejamos mais politicamente polarizados do que nunca. Parte do ônus de viver em uma sociedade livre e democrática é termos que lidar com opiniões e pessoas de que não necessariamente gostamos. É o preço a se pagar. Podemos até dizer que é o objetivo do sistema. Mas parece que cada vez mais gente está esquecendo isso.
Fala que os sentimentos são supervalorizados, e que devemos criar o hábito de questioná-los, simplesmente porque eles não duram. Clichês desagradáveis como 'confiar em si mesmo' e 'seguir seu coração' estão por toda parte. Talvez o melhor seja confiar menos em si mesmo. Define os "valores escrotos": busca por prazeres superficiais, que quase sempre se voltam contra o feiticeiro na forma de tristeza extrema; por sucesso material, pois a partir do momento em que você tem suas necessidades básicas supridas, o que você conseguir a mais vai cada vez fazer menor diferença; por estar sempre certo, o que os impede de aprender com os erros e se fecham para informações novas e importantes; e o otimismo implacável (por isso a grande diferença da maioria dos outros livros de autoajuda), pois é apenas outra forma de fuga. Depois define valores bons e ruins, basicamente os bons são internos, controláveis e os ruins dependem de fatores externos. Aconselha a fazer um questionamento honesto dos nossos valores e nossas medidas do que é realmente importante, o que pode ser doloroso, gerar crises existenciais, te desorientar por um tempo, até fazer você não se reconhecer, mas que é necessário. Aconselha também a não ter certezas, pois elas são inimigas do crescimento. Não há dogma correto nem ideologia perfeita, apenas o que a experiência mostrou funcionar para certas pessoas e para outras não. Ironiza a idealização da liberdade. A busca por viver de experiências intensas vai fazendo elas gradualmente perderem seu efeito, e fala da importância do compromisso, pois há experiências que só podem ser vividas após muito tempo num lugar, num emprego ou com uma pessoa. Outro valor que o autor sugere adotar é assumir a responsabilidade por tudo que ocorre na sua vida, mesmo que a culpa não seja sua.
Discorre bastante sobre a "imagem conceitual do eu", a imagem mental que temos de nós mesmos, algo tratado muito no livro "O poder do Agora", que eu também fiz uma resenha, e essa ideia está no quinto parágrafo. Segundo o budismo, a ideia do 'eu' não passa de uma construção mental arbitrária e, por isso, é preciso abandoná-la, porque ela sequer existe. Cita a Lei da Evasão de Manson: Quanto mais alguma coisa ameaça sua identidade, mais você a evitará. É por isso que tanta gente teme o sucesso — exatamente pelo mesmo motivo que teme o fracasso: porque ameaça a pessoa que pensa ser. Quanto mais limitada e rara a identidade que você escolher, mais ameaçador parecerá o ambiente ao redor.
Por fim, fala da morte. O psicólogo Becker teorizou que nós temos dois eus: o eu físico e o eu conceitual, citado no parágrafo anterior. O mortalidade do nosso eu físico nos enche de pavor, mesmo que no nível subconsciente, pois isso criamos "projetos de imortalidade" para que o nosso eu conceitual sobreviva à morte do eu físico. No leito da própria morte, Becker assinalou que os projetos de imortalidade eram nocivos: guerras e genocídios foram causados pelo choque de projetos de imortalidade de um grupo contra o outro. O melhor é aceitar a morte da melhor maneira que pudermos. Chama isso de "antídoto amargo".
Mark Manson nasceu em 1984 nos Estados Unidos. Foi blogueiro de autoajuda e viveu por sete anos sob o que ele depois chamou de valores superficiais: viajou para diversos países e teve relações superficiais com muitas mulheres. Morou quatro anos no Brasil, casou-se com uma brasileira e em 2016 escreveu um texto intitulado Uma carta aberta ao Brasil, em que mostrava sua visão dos reais problemas que afetam nossa economia, impedindo-a de crescer.