Rui Alencar 16/08/2012
Este livro é uma delícia...Em muita coisa parecido com uma família que conheço. Eis alguns recortes:
Pag. 11 ...Família é um prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema – principalmente no Natal e Ano Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é pra qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o conforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que vai comer e aquele fastio...
Pág. 12...Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza...Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas se misturadas com delicadeza, essas especiarias , tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa.
Pág. 12...Atenção também com os pesos e medidas. Uma pitada amais disso ou daquilo e, pronto, é um verdadeiro desastre. Família é um prato extremamente sensível...Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora de meter a colher. Saber meter a colher é um verdadeira arte.
Pág. 13...tem gente que acredita na família perfeita...Família é afinidade, é a moda da casa. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito....Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não tem gosto de nada – seriam assim um tipo “Família Diet”, que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é um prato para ser sempre servido quente. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.
Pág. 21...Papai possuía inúmeras qualidades, mas era um homem orgulhoso e enfezado. Tia Palma tinha uma teoria que explicava perfeitamente o mau humor de meu pai: a prisão de ventre. Tia Palma me ensinou que “enfezado” vem de fezes. Uma pessoa com intestino preso se enfeza com facilidade. E não é que, na prática, a teoria dava certo ? Sempre que papi era feliz no banheiro, a família inteira notava. Ele ficava literalmente, mais leve. Se alguém tivesse de pedir algo a ele, ficava atento à sua ida à privada: este poderia ser o momento ideal. Quando bem-sucedido, papai saía do banheiro em verdadeiro estado de graça. Um homem purificado.
Pág. 22...Cedo tb aprendi que o corpo conhece outras maneiras de se purificar. A urina, a menstruação, o vômito, as espinhas, o esperma, a coriza, e o suor, tudo nos purifica. O que o corpo põe para fora é sinal de purificação. Assim as lágrimas seriam a forma mais elevada de nos purificarmos. E o nascimento de uma criança a mais completa.
Pág. 82...Para sempre e nunca mais são medidas de tempo que me amedrontam, e, às vezes entristecem. A memória afetiva do mundo vai se apagando, enquanto os dados do planeta cabem todos no computador...
Pág. 83...Coleciono alguns guardados preciosos que, quando eu morrer, serão jogados fora, porque só fazem sentido para mim. Só a mim eles emocionam. Só eu lhes estimo o valor. Mas algo me diz que, em qualquer casebre, apartamento ou mansão, haverá sempre uma caixa, pasta ou gaveta onde se esconde aquele papel de bala – que foi desembrulhada no cinema ao lado de quem nos despertava paixão...
Pág.261...todo ser inanimado passa a ter alma no momento em que se lhe imprimie afeto. As coisas também aspiram a uma existência saudável...
Pág. 297...Palavra mete medo, assusta. Toda palavra. A mais inofensiva, súbito, causa estrago. Uma combinação equivocada, um tom infeliz, uma vírgula precipitda ou omissa podem significar o desastre. Palavra machuca, deixa marca. Palavra mata. Palavra deveria ficar guardada bem no fundo, no alto dos armários. Longe do alcance das crianças. E dos adultos. A palavra é arma. É preciso ter porte para usa-la.