spoiler visualizarGuilherme 05/04/2020
Resenha Santuário dos Ventos
Resumo
Santuário dos Ventos foi um livro que surpreendeu de forma tanto positiva quanto negativa.
A premissa do livro é a de que em uma sociedade isolada em um arquipélago, a única forma de locomoção e transmissão segura de mensagens é através dos voadores, grupo de indivíduos com alto prestigio social que se utilizam de asas feitas de material raro para voar, sendo essas asas transmitidas de forma hereditária.
O fato impulsionador da história é quando Maris, ( uma confinada da terra ) questiona esse sistema, visando se tornar voadora.
Essa era a informação que tinha sobre a história quando adquiri o livro, e imaginava que Maris iria ter de literalmente forjar suas asas ao ter o direito de voar negado.
Minhas expectativas e deduções morreram logo após o prólogo, onde vemos Maris já com asas e nos é dada a informação de que está foi adotada por voador e que perderia as asas para seu meio irmão (filho biológico do voador) quando ele completasse a maioridade.
Apesar deste dessabor inicial, as primeiras paginas do livro foram me conquistando, com suas descrições de um sociedade peculiar e personagens cativantes.
O julgamento de Maris
Esta foi a minha segunda e maior decepção com o livro. A solução dada para o que parecia ser o conflito principal ocorre ao 1/3 do livro.
Além disso, achei a resolução do primeiro conflito atrapalhada e ingênua, destoando do restante da obra. Meu principal problema é com o julgamento feito pelo conselho dos voadores.
Nesse ponto da história o argumento de Maris perdeu força e a solução que ela havia apresentado para os altos índices de perda das asas foi distorcida para adequar aos padrões dos voadores, fato que colocaria a protagonista em risco (o que me pareceu natural dado a construção de mundo até aquele momento).
A protagonista passa a insultar os voadores e afirma ter orgulho de sua origem plebeia fazendo descaso das tradições do grupo mais privilegiado, fato que encaixou bem na história, levando em consideração a idade da protagonista.
O problema é que a partir desse ponto é dada uma solução extremamente simplista. Russ, pai adotivo de Maris e ex-voador aparece, faz um discurso de pai amoroso e a opinião dos voadores muda subitamente.
De uma hora para a outra as tradições são quebradas e Maris ganha suas asas de volta, jogando por alto toda a tensão criada..Tendo esse momento quase me feito abandonar a leitura.
Vejo como uma oportunidade perdida. A história teria ganhado uma profundidade maior e manteria uma melhor coerência com o restante do livro se essa solução não fosse utilizada.
Outro fator que corrobora com isso é que na segunda e terceira parte do livro (ou no segundo e terceiros contos) ao conhecermos mais do mundo descobrimos que os voadores são mais conservadores e apegados a tradição do que percebemos anteriormente, tornando mais inverosímel o julgamento de Maris.
Uma-asa
No conto uma asa, a protagonista se vê em dilema, tendo ficado encurrala entre suas duas paixões, o que a faz questionar seus valores, momento em que a personagem amadurece, desenvolvendo sua própria forma de encarar o mundo.
Apesar disso, não sei se concordo com uma das escolhas feitas pela personagem. Não existe outra palavra para a atitude da personagem senão traição. Mesmo assim, a atitude condiz com o que já havia sido preestabelecido, não ferindo a coerência da história.
Esse conto( parte) é o meu favorito, pois além de introduzir ótimas personagens, traz complexidade ao texto.
Não se pode quebrar uma tradição em apenas um dia, isso é uma processo lento que gera conflito e como este conto demostra com primor, consequências indiretas.
A queda
O Ultimo dos contos tem inúmeros acertos, gosto de como a personagem tem de superar o ultimo e maior desafio, sua mortalidade e humanidade.
Após um Acidente Maris tem seu equilíbrio afetado, tornado impossível que voe novamente.
Neste trágico momento a personagem se vê extremamente fragilizada, tendo a ela ocorrido destino que em sua concepção de mundo é pior do que a morte.
Podemos então ver claramente o lado mais humano da personagem, passando por desafio extremamente pessoal. Mais do que refletir sobre os seus valores a personagem questiona sua própria existência, o que a define e como seguir com a vida após ter tido uma de suas capacidades mais valiosas arrancadas de vida. Este sem duvida é o melhor dilema do livro,e a discussão é dada de forma magistral.
Minha única ressalva com este conto é uma das soluções para o conflito. Em determinado momento um personagem em conluio com a protagonista passa a manipular a população para que se volte contra seu governante.
A verdade é distorcida para evitar a criação de um ódio generalizado contra voadores. Não é uma mentira, afinal a voadora morreu realmente pela mão do chefe da ilha, contudo em momento algum revelam que esta estava manipulando as mensagens entre as ilhas.
Compreendo as boas intenções da protagonista, contudo se levarmos em consideração que foi a mesma personagem que lutou anteriormente por justiça, o ato de manipular fatos para proteger determinada classe demonstra o pior lado de Maris, que no fim das contas realmente deixou para traz sua natureza plebeia.
Já li vários livros em que personagens manipulam a verdade a seu favor e são egoístas (as mentiras de Locke Lamora é um exemplo). O que me incomoda é que a personagem é pintada como honesta e verdadeira. Não existe nenhuma reflexão sobre a imoralidade deste ato e após a resolução do conflito a ideia de que a história é escrita pelos vencedores é romantizada.
Conclusão
Santuário dos Ventos me parece um daqueles compilados de histórias lançadas em livros e revistas de fantasia, como o cavaleiro dos sete reinos, que também é da autoria de George RR Martim.
A primeira parte do livro apresenta bem o mundo em que estamos inseridos, e com exceção da cena do julgamento é bem coerente.
A segunda e terceira parte da história evoluem de forma melhor, alterando o tom do livro no geral e exigindo mais seriedade da protagonista, criando mais momentos de tensão e apresentando melhores dilemas.
Em todo o livro existiu algum fator que me desagradou em maior ou menor grau, mas ao analisa-lo como um todo acredito que seja um bom livro.