Felipe Miranda 09/08/2018
O Fundo é Apenas o Começo - Neal Shusterman por @ohmydogestolcombigods
Esquizofrenia, bipolaridade, transtorno obsessivo-compulsivo ou depressão. Eu não consigo traçar um espaço-tempo em que tudo isso seja fácil de entender. Eu não tenho propriedade para falar sobre nada disso e acabo de ler um livro que me mostrou o quanto a mente humana é delicada. Frágil como a mais fina porcelana e resistente como uma fragata em alto mar. O que concluo depois de uma das histórias mais cruas, pesadas e necessárias que pude conhecer é que nossas vidas são como barcos de papel no meio do oceano, sempre à mercê dos bons ventos e da coragem de quem comanda a proa.
O Fundo é Apenas o Começo foi escrito por um pai que acompanhou de perto seu filho perder o controle da própria mente. Do juízo mesmo. Das percepções do que é real ou não. Do que dói ou não, do que é bom e ruim, do que é certo e errado. De uma hora para outra (?) o jovem Caden Bosch se vê internado num hospital psiquiátrico para tratar uma série de sintomas anormais para um adolescente de 15 anos.
Sendo curto e grosso, nosso protagonista consegue transformar o banal em algo extraordinário só que no sentido mais negativo possível. Um quadro na parede se transforma numa passagem para um mundo sanguinário, um corte superficial é tão fatal quanto um acidente de trem e reações exageradas parecem fazer parte de uma rotina perigosa para ele e todos ao seu redor. Ele surta, apaga, perde o controle e vive numa montanha russa. Há dias bons, dias difíceis e dias que parecem semanas.
Caden não confia em ninguém porque aos seus olhos todos se tornaram inimigos. Ninguém pode confiar em Caden porque ele simplesmente não distingue pensamento de vida real. É como se ele flutuasse em um sonho infinito. O que acompanhamos no livro de Neal Shusterman é o dia a dia de um indivíduo tentando vencer as próprias batalhas, lutas que envolvem todos ao seu redor.
Confesso que todo esse cenário poderia ser muito mais pesado nas páginas do livro, até porque estou falando de uma ficção que beira o confessional. Este livro foi possível graças a uma vivência de fato. Porém, Caden possui uma mente tão fértil que todos os seus problemas, ou a maioria deles, se passam a bordo de uma expedição. Ele caracterizou todos ao seu redor como integrantes de uma tripulação que viaja em alto mar rumo a um destino misterioso e pouco conhecido.
Sua rotina no hospital é narrada dentro dessa fantasia. Há um capitão-pirata de um olho só, um papagaio, tripulantes e monstros submarinos. Todos os desafios que podem ser enfrentados quando se navega num mar desconhecido estão lá, na mente de Caden. Parece simples e fácil de vislumbrar essa construção narrativa, mas acredite, é um pouco difícil acompanhar a rapidez das coisas. A mente de Caden corre na velocidade da luz. Suas ilusões e alucinações revelam segredos íntimos. Há muito nas entrelinhas e na poesia do autor.
É obscuro? É.
Lento em alguns momentos? Também.
E por tratar de um assunto que possui tantos desdobramentos (cada indivíduo é um mundo e, consequentemente, cada paciente também), a história é uma genuína aula. Somos apresentados ao jeito como Caden reage ao tratamento e também acompanhamos tudo que acontece ao seu redor. Sua família também sofre. Os meses que ele passa internado são uma provação para seus pais. Uma prova de amor. Tudo se adapta e sofre alterações por causa do que o garoto passa. É estupidamente forte ler sobre tudo isso. É sobre saúde e a falta dela. Sobre algo que ultrapassa os limites de estar bem. O que é estar bem? O que é a sã consciência e sua importância?
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