Amanda 24/04/2022
Impecável
Essa graphic novel (por sinal, arte impecável) retrata a queda de Lúcifer e expulsão de Adão e Eva do paraíso.
Por se tratar de um poema do século XVII, a linguagem pode ser considerada rebuscada e difícil de compreender, especialmente no começo, já que não estamos acostumados a ler livros assim mas achei rápida a adaptação à linguagem.
Sobre a arte, às vezes pego o livro só pra ficar folheando de tão lindo que o trabalho é. Os cuidados com os detalhes, os traços escuros e grosseiros ao retratar Satã, os traços delicados de Eva e Adão no paraíso. O que mais me chamou a Atenção foi o fato de a figura de Deus em quase todos os quadros se assimilar tanto com a figura do pombo e achei extremamente sutil e simbólico a figura de Jesus com o capacete de cordeiro.
Cada pessoa tem uma reflexão e conclusão ao ler a obra, é uma experiência muito particular mas em última instância, retrata uma discussão calorosa sobre o livre árbitrio, se de fato somos livres quando comandados sob o cetro de Deus.
Satã diz em um quadro que "mais valeria reinar no inferno do que servir no céu". Para Satã, liberdade seria não obedecer ordens e não se curvar para o único filho de Deus (Jesus), já para Deus, liberdade é obediência.
Se trata de uma reflexão extremamente filosófica trazida inclusive em âmbitos que ultrapassam religião. Para Rousseau: "o homem nasce livre e em toda parte encontra-se acorrentado". Já para Kant, "a liberdade é a autonomia de cumprir seu dever de acordo com as Leis da Natureza" mas a Lei da natureza retratada em Paraíso perdido (não entrando em méritos de crenças pessoais) seria a lei de Deus. E toda essa discussão nos leva a perguntar, quão livre realmente somos?
Eva come do fruto pois a serpente a dissuade de comer, pois o fruto proporcionaria à Eva o conhecimento sobre bem e mal e a serpente diz, "O bem que não se conhece não se possui. E conhecendo o mal, pode-se evitá-lo mais facilmente".
Uma outra reflexão possível seria a de que, em última instância, a dicotomia de bem e mal não consiste em seres físicos (Deus e Satã) lutando por tronos, mas que, na verdade, essa dicotomia se encontra dentro de cada um de nós (reflexão que acho muito bela, inclusive).
Desse modo, não haveria Satã nem Deus nos puxando um por cada braço, mas haveria dentro de cada um de nós um compasso pelo qual somos responsáveis e, portanto, ainda que sob o julgamento de um criador. Ao ter comido do fruto, seríamos livres para poder trilhar cada qual seu próprio caminho. Nessa mesma linha de pensamento temos Demian, livro do Hesse, que retrata o Deus Abraxas que é por si só uno, homem e mulher, bem e mal, a síntese do significado de ser humano (uma outra leitura que recomendo mil vezes).