Ronnayse 05/03/2019Tempo de migrar para o norteTempo de Migrar Para o Norte, publicado em 1966, foi escrito por Tayeb Salih e é considerado pela academia de literatura sarracena de Damasco como o romance escrito em língua árabe mais importante do século XX. Salih retrata diversos elementos das culturas e identidades árabes e africanas em sua produção literária, como a vida no campo, as religiões e as amarras que mulheres sofrem nas sociedades conservadoras.
Embora seja um livro curto não é um livro simples de ler. É um livro intenso.
-‘ [Neste romance conta-se a história das viagens e visões de Mustafá Said que se encontra dividido entre dois continentes. Mustafá Said é órfão de pai e quando jovem abandona a mãe e parte para Londres onde se destaca profissionalmente. Mas a visão dos britânicos sobre o continente africano e sua própria condição de expatriado são motivos que causam revolta e decepção em Mustafá.] ‘-
O livro mostra um conflito de realidade oriente-ocidente. Trazendo nossas angústias, incompreensões, e uma busca para saber o que não se sabe. Somos inseguros ao desconhecido, a uma história/cultura diferente da nossa.
“... com pequenas diferenças, os europeus são exatamente iguais a nós. Casam-se e criam os filhos segundo os costumes e as tradições; têm boa índole e são, de modo geral, boas pessoas. Mahjub, então, perguntou-me: "Há agricultores entre eles?" "Sim, há operários, médicos, agricultores e professores; exatamente como nós..." Desisti, porém, de contemplar o que me veio à cabeça: são exatamente iguais a nós, nascem e morrem e, na viagem entre o berço e o túmulo, constroem sonhos - alguns se realizam; outros não. Temem o desconhecido, buscam o amor, almejam o conforto no matrimônio e nos filhos. Há o forte, o fraco e também o oprimido. A alguns a vida deu mais do que merecem, e outros por ela foram excluídos, mas essas diferenças estariam se estreitando e a maioria dos fracos não está mais tão fraca assim." (p.7)
No livro, acompanhamos um sudanês, sem nome, que retorna de Londres para sua pequena aldeia, na beira do Nilo, depois de sete anos realizando um doutorado em literatura. Ao regressar, ele encontra uma nova figura na vila: o forasteiro Mustafá Said. Assim como os outros moradores da vila, não faz ideia do passado de Said e fica intrigado com a figura enigmática.
Em pouco tempo, Mustafá o elege como testemunha privilegiada de sua vida pregressa e conta sua história.
Há muita precisão nos detalhes dos acontecimentos. Ora, esses acontecimentos parecem fragmentados, e, mais a frente conseguimos fazer ligações entre tais fragmentos.
A trajetória de Mustafá desagrada pois ele alimentava uma raiva de colonizado contra sua metrópole, e tentar vingar esse colonialismo Sudão em mulheres. Como vingança, seduzia mulheres inglesas que pouco depois se suicidavam ou eram assassinadas a facadas.
Tanta precisão que o jeito que a mulher é vista e colocada por ele, chega a causar desconforto. Porém, o desconforto da leitura da época nos remete aos tempos atuais e vemos que não há grandes distinções para o que vemos hoje no Brasil (infelizmente)
Com tudo o que viveu Mustafá nos mostra que apesar de tudo, devemos escolher a viva “Eu escolho a vida. Quero viver porque existem algas poucas pessoas com quem gostaria de passar o maior tempo possível, porque tenho deveres a cumprir; não importa se a vida tem sentido ou não. Se não sou capaz de perdoar, tentarei ao menos esquecer” (p. 163)
O livro nos mostra a todo tempo a importância de conhecer diversas histórias, culturas, para que entendamos que mesmo com o conhecimento é difícil ser uma pessoa, mas com ele podemos entender os acontecimentos e aprender a conviver da melhor forma possível, sem preconceitos.
“Educamos as pessoas para abrir suas mentes e liberar suas energias aprisionadas, mas não podemos prever o resultado: a liberdade. Libertamos as mentes das superstições. Damos ao povo as chaves do futuro para que ele aja como quiser” (p. 148)