solitteraire 29/01/2023
Resenha - Os Noivos do Inverno
Os Noivos do Inverno é o primeiro volume de uma série de quatro obras que foi encerrada recentemente em 2021, saga entitulada de ?A Passa Espelhos?. É um livro francês, lançado em 2013, escrito pela Christelle Dabos e publicado no Brasil pela editora Morro Branco; Apesar de um pouco denso (417 páginas), ?devorei? esse livro tão rápido que durante o tempo de leitura pareceu ter bem menos! Eu simplesmente lia e lia cada vez mais, não consegui parar de ler em nenhum momento e estava A CADA INSTANTE pensando sobre a trama da história.
Para entendermos um pouco o universo precisamos compreender como o mundo no livro foi dividido em ?arcas?, quebrado em vários pedaços de continentes que flutuam. Cada uma dessas arcas é regida por um espírito familiar: uma pessoa muito antiga, que detém uma série de poderes. Além disso, cada arca possui seu próprio funcionamento e peculiaridades em relação à política, à sociedade e ao funcionamento da magia. Ao começo, iremos conhecer ?Ânima?, que é a arca onde vive a nossa protagonista Ophélie; na sua arca, todos possuem laços de parentesco que os tornam uma grande família, e é justamente por isso que todos referem uns ao outros de primos e primas. Nessa arca, as pessoas têm dons variados permitindo a construção e restauração de objetos, um profundo conhecimento da história e do passado de seus habitantes, a recuperação de relíquias ou, no caso de Ophélie, a leitura, habilitando o usuário a visitar o passado das coisas tocadas por ele. Inclusive, o cachecol de Ophélie possui vida própria, e já até tentou ?esganar? a protagonista. No entanto, ambos possuem uma relação única especial, fato importante para o desenrolar da história, por isso ela não se desfez do mesmo após o ocorrido.
A Ophélie em questão, assim como supracitado, possui habilidades especiais que vão desde ler o passado dos objetos a conseguir atravessar espelhos, sua primeira habilidade é uma descendência de sua família, que possui Ártemis como espírito familiar, já a segunda a possibilita viajar entre dimensões. Em Ânima, a protagonista é considerada como uma garota peculiar; sem vaidades, sem ambições, desastrada, desatenta, uma verdadeira confusão de roupas, cabelos desgrenhados e com traços de personalidade marcantes como a honestidade e a teimosia. Sem se importar muito com aparências e se vestindo com roupas autênticas, Ophélie passa a maior parte do seu tempo trabalhando no museu, junto ao tio avô. Até que certo dia, Ophélie precisa lidar com a informação que sua família a prometeu em casamento para um rapaz de outra arca, o Thorn, herdeiro de um distante e poderoso clã, Importante ressaltar que ela não pode recusar esse pedido, pois já rejeitou dois pretendentes anteriormente. O casamento sendo uma relação completamente diplomática organizada pelas autoridades familiar de ambas as arcas, pois asseguram a família de Ophélie que Thorn possui uma posição política importante na outra arca, chamada Polo e que tal feito significaria benefícios para Ânima. Então, a única alternativa de Ophélie é deixar sua arca e sua família para trás e acompanhar o seu noivo até a Cidade Celeste, em Polo, um lugar completamente hostil e diferente de sua terra natal, muito maior que a arca a qual Ophélie viveu sua vida inteira. Diferentemente de Ânima, a comunidade em Polo não é uma grande família, mas sim uma sociedade formada por inúmeros clãs, com costumes e funcionamentos políticos completamente diferentes entre si que, de certa forma, surgem como aspectos ruins para Ophélie, já que muito cedo ela acaba descobrindo que aquele lugar é completamento inamistoso para ela em relação ao conhecimento de mundo que ela possui, tendo em vista que a protagonista era acostumada com uma arca onde todos se ajudavam e de repente ela se encontra num local completamente frio, onde todas as pessoas querem matar umas às outras em busca de poder político. Desde o começo, Ophélie também percebe que Thorn não quer se casar com ela, mas que por algum motivo ele precisa, motivo esse que a protagonista ainda não descobriu já que, diferentemente dele, ela não possui nenhum status politicamente importante. Ophélie então precisa lidar com a sua situação atual, dando rumo as descobertas dos porquês em meio a tantas aventuras e perigos que ela irá viver nesse novo mundo. Sua tia irá acompanhá-la nesse trajeto até o dia do seu casamento, a jovem terá que conviver com pessoas e costumes completamente diferentes de onde ela veio. E mal sabe que será preciso enfrentar pessoas que a odeiam sem nem mesmo conhecê-la. Ela não poderá confiar em ninguém e terá de fazer de tudo para honrar a sua família e cumprir a promessa desse casamento.
O livro é narrada em terceiro pessoa, pelo ponto de vista da Ophélie. Confesso a vocês que o mais interessante dessa trama é ver uma garota entrar em um mundo completamente desconhecido, hostil e perigoso para ela e como ela lida e se adapta ao meio. Esse com certeza é um dos pontos mais interessantes. Contudo, um segundo ponto é que o livro é altamente gráfico, e você consegue imaginar e viajar em cada página, em relação aos cenários e os acontecimentos como um todo. A Ophélie não é simplesmente ingênua e inocente, o fato é que ela nunca foi exposta a um mundo que ela nunca conheceu antes, já que ela passou sua vida inteira em Ânima e de repente se encontra em uma realidade cheia de ilusões, mentiras, perigos e pessoas má intencionadas; ela precisa aprender a não confiar em ninguém, sendo que a mesma veio de um lugar onde todos eram uma família com a qual ela estabelecia uma relação de confiança, proximidade e intimidade. Agora ela está em um lugar adverso onde ela não pode dar confiança a ninguém, uma vez que o mais provável é que qualquer pessoa irá tentar se aproveitar dela.
Ver a trajetória dela é muito estimulante porque você torce por ela, visto que ela é esperta, inteligente, bem intencionada, e além disso tem os seus valores bem consolidados. Assim, apesar de aparentar uma aura de garota fraca e frágil em um primeiro momento, eventualmente compreedemos que é porque ela ainda não aprendeu a se impor. No entanto, quando ela chega o Polo, precisa aprender muitas coisas: primeiramente, a não depositar confiança em ninguém e segundamente, a subir o seu tom de voz. Nessa sua aventura, ao mesmo tempo que ficamos angustiados porque muitas, repito, MUITAS coisas dão errado, é interessante acompanhar como ela se ergue diante dos ocorridos e encontra soluções para os problemas de uma forma inteligente, nunca perdendo a sua essência. Em síntese, ela simplesmente se adapta a essa nova realidade, mas nunca deixando de ser a Ophélie.
Uma coisa sobre esse livro é que você precisará ter paciência com a leitura. Em determinados momentos você não saberá que caminho a a história está tomando, e a todo instante estão subestimando a Ophélie diante da sua narrativa. Contudo, como eu disse anteriormente, ela é extremamente inteligente e apesar de começar o livro não possuindo muita voz, termina fortificada. Isto é, apesar de ser manipulada incialmente, ela também passa a manipular. Uma sensação incrível quando você finaliza o livro é de que ainda tem muito mais por vir, que é apenas o começo de uma trama incrível e envolvente, você termina sentindo que uma porta acaba de se abrir, e não de de fechar.
Acerca de Thorn, nós não vemos muito dele nesse primeiro livro, mas conseguimos conhecer ele e o seu passado devido a algumas situações e acontecimentos, mas também finalizamos o livro com a sensação de que ainda existe muito mais pra ser explorado desse personagem. É nítido que ele é um homem extremamente fechado e esse é um dos principais motivos que sentimos dificuldade de conexão com o personagem à primeira instante, mas eu acredito que seja um aspecto intencional provocado pela autora; conhecendo o passado dele, nós conseguimos perceber que não foi um passado fácil e isso fez ele se tornar uma pessoa muita fria, calculista e extremamente prática. Só tenho uma coisa a dizer sobre ele e a Ophélie: eles são completamente diferentes um do outro, tudo que a Ophélie é, o Thorn simplesmente não é, e vice versa. Mas, importante dizer que no decorrer da história é notório que algo dentro dele começa a mudar desde o momento que a Ophélie chega em Polo, apesar de ocorrer com uma sutileza enorme. Então, já digo a vocês para não lerem esperando um romance, mas que existe uma delicadeza enorme na relação deles dois que vai ser absurdamente necessária futuramente.
Quando Ophélie vai para a Cidade Celeste, ela passa a viver mais com a família do Thorn do que com ele, a tia e a avó dele que são algumas das poucas pessoas que ele realmente confia; a tia de Thorn é uma pessoa extremamente influente e rica com um pico de alpinismo social, possui um aspecto de aspirante à vilã, mas acredito que exista uma complexidade enorme nessa personagem, porque a primeiro instante, esse pode ser o exterior dela mas a respeito da sua personalidade ainda existe mais ali prestes a emergir, exatamente como o Polo em si, porque ninguém ali é realmente do bem. Além disso, na arca há uma alta sociedade extremamente corrupta! Até mesmo o ambiente de Polo é extremamente poluído, contudo, alguns clãs possuem a magia de fazer ilusões e eles maquiam todo o ambiente com magia, fazendo parecer que as cidades são bonitas e harmônico mas quando se tira a ilusão é tudo completamente caótico; então, essa alta sociedade se esconde atrás das magias e ilusões mas quando se observa afundo, existe uma sociedade montada sobre pessoas pobres que trabalham na sujeira, enquanto os ricos estão festejando no meio da mentira. Isso é uma crítica imensamente significativa, pois o quanto esse tipo de situação tem valor enquanto vemos a Ophélie, que é uma garota que surge com uma perspectiva nova de um lugar diferente e ela observa tudo de uma forma que nos transmite uma reflexão indescritível, justamente porque esse é o mundo a qual a Ophélie precisa se acostumar. É um choque de realidade acompanhar essa desconstrução através da perspectiva dela porque é, de certa forma, a nossa própria desconstrução da realidade subjetiva para a construção de uma visão de mundo como um todo. A respeito da época do livro, eu senti uma vibe de século dezenove em relação a costumes sociais, como por exemplo a Ophélie não poder ficar sozinha em um recinto sem acompanhante e esse tipo de coisa. Essa atmosfera fantástica é deliciosa, possui uma sensação de não saber o que vai acontecer a qualquer instante porque estamos em um mundo novo e a Ophélie não é preparada para esse mundo, o Thorn simplesmente chega pra ela e fala ?não sei se você vai sobreviver? e, apesar dele tentar protegê-la, Ophélie é uma garota curiosa e acaba descobrindo esse mundo novo com um outro olhar, então o leitor não sabe as coisas que podem acontecer porque, assim como a protagonista, estamos conhecendo aquele mundo pela primeira vez.
Sobre romance, é extremamente lento, encontramos apenas a superfície de algo que pode ou não se desenvolver. Não classificaria como um ?haters to lovers? porque eles não se odeiam, eles simplesmente não se conhecem, estão se conhecendo e apesar de sabermos que eles não querem se casar não é como se ele se odiassem, são apenas estranhos um para o outro. Encontramos na relação deles um sentimento de estranheza mas não chega a ser ódio, ambos simplesmente não se gostam ao ponto de se casarem porque, afinal, o casamento estava sendo arranjado, além de que ambos possuem visões de mundo completamente diferentes; resumiria como complexo, eles desprezam coisas específicas um no outro mas não se odeiam, apenas reconhecem que precisarão cooperar por diversos motivos, mas principalmente porque aquilo é um casamento e futuramente a Ophélie descobre o porquê dessa união. Então, eles entendem que precisam entrar nesse acordo e durante a leitura muita coisa fica implícita e é extremamente estimulante para o leitor tentar tirar significado de momentos e conversas, é como se a autora entregasse o livro e escancarasse que aquilo tudo está apenas começando, como eu falei, você termina a leitura com a sensação que ainda tem muito por vir e que uma nova jornada se inicia.
Em diversos momentos dessa leitura eu fiquei simplesmente sem reação, as tramas e reviravoltas são todas feitas dentro dessa atmosfera de expectativa e esse sentimento de perigo.