LuccaOdeiaLer 21/01/2024
"Não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria"
É a segunda vez que começo esse livro e finalmente cheguei ao final.
Memorias póstumas de Brás Cubas, publicado em 1881 é um clássico brasileiro que exemplifica bem a literatura machadiana: enredo não-linear, capítulos curtos e o aprofundamento psicológico das personagens.
O motivo da minha demora foi puramente o fato do livro ser um clássico, a escrita é fantástica, mas um pouco erudita demais para mim que sempre tive certa dificuldade com o gênero. A partir dos capítulos VII (Delírios) e VIII (Razão contra Sandice), que foram os meus preferidos, a leitura fluiu bem melhor.
A trama é simples, um homem contando ao leitor a sua vida, porém o homem em questão está morto e se torna o primeiro autor defunto, ou melhor, o primeiro defunto autor do Brasil. Essa característica é a mais criativa da história, pois veja bem, Brás Cubas é patético, e viveu uma vida patética, não tem nada sobre ele que me faria ler um livro seu. As outras personagens que são apresentadas pelo morto são simplistas, e é o suficiente, eu também não não tenho nenhum interesse em saber mais sobre qualquer uma delas.
Exceto por Prudêncio, que me parece um exemplo vivo da notória frase: "Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor". Ou Dona Plácida, que me causa um diferente tipo de indiferença.
Acabo de perceber que meu parágrafo pode parecer uma crítica negativa, e não é. Simples é diferente de ruim, nem tudo em uma narrativa precisa ser complexo. As pessoas que Machado de Assis desenvolve na obra são extremamente reais, a forma como levam a vida, como se posicionam, o que acham importante, tudo isso é palpável.
Eu também disse anteriormente que a trama era simples, porque é, e a genialidade é encontrada na forma que o autor nos mantém interessados até o final. Um pensamento que me deixou intrigado durante a história inteira, foi como as coisas não acontecem, vou exemplificar para evitar spoilers.
Imagine o cenário, você está lendo um livro e a personagem principal vai tomar um chá, ela pega a xícara e comenta que sentiu um cheiro incomum e o gosto parecia distinto. Eu penso na hora que a personagem fora envenenada e mais tarde as consequências disso aparecerão. Em Memórias póstumas de Brás Cubas isso não acontece, uma questão é apresentada ao leitor e logo depois é esquecida.
E o motivo disso é que nosso livro em questão é realista. Agora imagine o cenário, você está tomando chá e pensa ter sentido um cheiro incomum, mas bebe mesmo assim e o gosto parece distinto. Eu pensaria que coloquei água de mais ou de menos e seguiria a minha vida.
É essa a sensação que a obra nos causa, que estamos lendo um diário qualquer, sobre alguém que nunca conquistou nada de incrível, nem fez algo extraordinário, apenas uma pessoa vivendo uma vida medíocre.
A complexidade do livro se encontra nas entrelinhas, nas críticas que o bruxo faz para a sociedade brasileira e a burguesia, a política e a hipocrisia, a escravidão e a riqueza, a educação e a futilidade. Usando da ironia, e por muitas vezes do sarcasmo e do deboche, ele expunha tudo que achava necessário ser exposto.
Por essa razão, caro leitor, ao ler esse livro, preste atenção em cada frase, pois certamente encontrará algo oculto.
Obrigada pela paciência?