Gabriella 07/05/2023
"Se há tantas cabeças quantas são as maneiras de pensar, também devem haver tantos tipos de amor quantos são os corações"
Anna Kariênina com certeza se tornou uma das minhas personagens preferidas. Uma mulher incompreendida que representa muito de como as mulheres eram oprimidas e tinham limitações impostas hipócritas o qual cortavam a chance de qualquer felicidade.
Um mundo que foi obrigada a escolher entre dois grandes amores, entre viver sem paixão ou com paixão mas repudiada por todos; entre viver na falsidade mas sendo aceita ou ser verdadeira consigo e com o outro e ser condenada.
Apesar de acompanharmos já na fase adulta, em um dos seus pensamentos ela expressa, olhando para uma menina brincando, a chama de "deformada" aludindo o quanto desde de menina teve que viver presa ao que as mulheres tinham que ser, pra encontrar um marido - seu único caminho de vida. Ainda jovem tendo que se casar com um homem mais velho e frio a qual nunca ouve alguma paixão e assim vivia, contida e vazia, apenas com o amor pelo seu filho e suas relações amigáveis com todos, até encontrar Vronsky e Vronsky a encontrar.
Mas um amor não só sobrevive de amor quando se tem que deixar de lado uma parte de si e quando se tem que viver dependente totalmente a alguém. Quando sacrifícios altos demais devem ser feitos.
O Lievin é um personagem que aos poucos se torna o majoritario na trama. E é esse é o maior defeito do livro pra mim. Alguns plots construidos como a relação Dolly x Stipean e sua "escravidão" perante a ele são apagados, o pov da Kitty e toda sua personalidade e vivencias são apenas vistas sob os olhos do Lievin. O Lievin é um personagem que agrega quando o plot é sobre sua vida no campo, sua relação e visão sobre os mujiques e a exploração destes, seu debate acerca da sociedade russa com seu irmão e outros; mas ao meio do livro quando o foco é o romance é ai que o personagem pra mim perde uma magia, pois se torna falso.
Claramente ele representa o ator, Liev, e seu romance também visto as semelhanças com o romance dele com a esposa Sofia (por ex. o pedido de casamento foi igual) porém representa o ator de modo idealizado e enganoso ao se portar como um cara "de família", fiel, leal e apaixonado por apenas uma única mulher. Eu vejo claramente que o ator é representado na verdade por dois personagens: Liev e Stiepan, Stiepan representando quem ele realmente era na área romântica/social & Liev quem ele era em relação a pensamentos da vida e por quem ele queria ser - ou fingir pra sociedade que era.
Stiepan é um homem que adora variadas mulheres (mesmo sendo casado), um homem que vivia em dividas - semelhanças com o ator quando ele vai viver em Moscou; no começo do livro Stiepan e Liev (melhores amigos) se apresentam em dois grandes contrastes: o de uma mulher só (Liev) que achava o resto das mulheres repulsivas e o que vivia para ficar com a maior quantidade de mulheres possíveis. Mas o verdadeiro Lievin era o próprio Stiepan nessa questão, traindo a mulher com diversas companheiras e agindo de modo totalmente opressivo e ingrato. Será que ele não queria reconhecer a si próprio e por meio da escrita se idealizando no que queria ser ou será que propositalmente cria um personagem pra si pra ser visto pela sociedade, hipocritamente fingindo ser totalmente contrario do que era? E será que quando a Dolly (esposa de Stiepan) diz: "Será que você entende, Anna, quem foi que me tomou a minha juventude e a minha beleza? Ele e os seus filhos. Prestei serviços a ele e, nessa servidão, tudo o que era meu se foi e agora, é claro, uma criatura vulgar lhe parece mais fresca e mais agradável (...) Para que sofro, trabalho? Por causa das crianças? O horrível é que, de repente, minha alma virou pelo avesso e, em lugar do amor, do carinho, só sinto por ele raiva, sim, raiva." ele sabia que deveria ser exatamente assim que fazia a esposa se sentir?
E esse plot da Dolly é totalmente ignorado, ao decorrer do livro, e só volta ao falar ao comparar sua vida com a da Anna - e assim se sentindo melhor com sua própria vida, como se as dores e a condenação da Anna perante a sociedade apagassem as dores dela recorrentes as humilhações do marido. Seria o ator tentando se convencer de que não era tão ruim com a esposa assim? E o curioso é que seu personagem idealizado, Liev, acaba ajudando e abrigando Dolly no final do livro, seria o reconhecimento da dor que causou a Sofia e algum tipo de remorso?
Eu acho que Tolstói perde muito o foco no decorrer do livro, deixando de lado plots muito bons do começo como esse da Dolly, e perdendo o foco na Anna, para focar em si próprio com muita intensidade. O finalzinho do livro me decepcionou, quando não tivemos nem um final para o Vrosnky (faltou um pov), um pov da Dolly, um pov do Aleksei - tudo deixado de lado para focar nele mesmo. O livro acaba virando sobre si próprio. Mas apesar disso ainda considero o livro excelente pela escrita do Tolstói e sua sensibilidade acerca de vários assuntos, gosto muito de como muitas discussões sobre a vida russa no geral e a sociedade são abordadas, acho que poderia até ter mais disso, e até mesmo a questão da igualdade feminina, e sobre a vida, a morte e a morte interna de si próprio - o que ele abordou muito, muito bem.
Os últimos capítulos da Anna no livro são fantásticos, pura arte, apesar de muitos triste.
Com certeza lerei mais dele e recomendo muito o livro.
800 paginas e mesmo quando me deparei com alguns plots que não me agradavam por completo mesmo assim a leitura não foi desagradável e nem por um momento senti vontade de abandonar o livro, pelo contrario, deixa a sensação de "quero mais".