Krishna.Nunes 26/01/2021Um clássico sedento de sangueFigura fortemente estabelecida na cultura popular moderna, o vampiro, ou o mito da criatura sobrenatural que se alimenta do sangue de criaturas vivas, vive há séculos no imaginário popular. Não foi com Drácula que o vampiro apareceu pela primeira vez na literatura. Mas foi nesse livro, publicado em 1897, que o ele adquiriu as características que reconhecemos até hoje: uma criatura imortal, que só pode ser destruída com uma estaca cravada no coração ou quando decapitado, que não suporta a luz do dia e é capaz de controlar animais e até o clima, que rejuvenesce ao se alimentar de suas vítimas e até mesmo que foge do aroma de alho. Também estabelece o vampiro como uma figura aristocrática, culta e encantadora, capaz de seduzir suas vítimas e hipnotizá-las, tornando-as marionetes da sua vontade.
Fortemente inspirado no romance gótico do período vitoriano, Drácula utiliza um recurso muito comum na época: a narrativa epistolar. Visando dar mais credibilidade ao enredo, a história é contada não por um narrador, mas através de uma coletânea de cartas, notícias de jornal e especialmente entradas dos diários dos protagonistas, que se veem subitamente ligados por um acaso aterrador: terem sido vítimas de um vampiro. Assim, com coragem e altruísmo inabaláveis, dão início a um plano elaborado para perseguir e destruir o monstro.
Muito distante da frieza fleumática que esperamos dos britânicos, temos aqui personagens que choram, desmaiam de emoção, jogam-se ao chão em prantos, ajoelham-se e erguem as mãos aos céus em súplica, num exagero de dramaticidade mais digno das novelas mexicanas.
A trama inicia propositalmente lenta e pouco reveladora, para garantir que o leitor nunca saiba mais do que os próprios protagonistas, que aos poucos vão aprendendo sobre os poderes da criatura e montando um quebra-cabeças que lhes permitirá confrontá-la.
Uma grande dose de anacronismo está presente na menção constante de fonógrafos, máquinas de escrever, carruagens e barcos a vapor, que aparentemente faziam parte do orgulho britânico do período da revolução industrial. Nada disso, entretanto, nos impede de aproveitar o que a obra tem de bom para oferecer, um suspense crescente com pitadas de terror e um grande senso de urgência. O livro sabe explorar muito bem o sobrenatural e criar um clima de expectativa permanente, que deixa o leitor sempre achando que algo está prestes a acontecer. Pouco a pouco, o ritmo da ação vai se acelerando, levando a história a um ritmo de caçada constante, o que torna a leitura da segunda metade extremamente ágil.
O machismo da época também se mostra evidente, não na forma de misoginia mas sim de cavalheirismo. As mulheres precisavam ser protegidas a qualquer custo. Ainda assim, a personagem mais inteligente e sagaz é justamente uma mulher, mas não por seu próprio mérito e sim por ter "um cérebro de homem com a doçura de uma mulher", como não cansam de repetir. É uma característica que incomoda, mas acabamos tendo que relevar devido ao contexto histórico.
Drácula é, sem dúvida, um clássico atemporal que influenciou incontáveis obras e merece continuar sendo apreciado por muitas gerações.