Fernanda631 05/07/2023
A Parábola dos Talentos (Semente da Terra #2)
A Parábola dos Talentos (Semente da Terra #2) foi escrito por Octávia E. Butler e foi escrito em 1998. É um daqueles livros que complementam tão bem o primeiro volume, que não deve deixar de ser lido.
Após estabelecer sua comunidade de Bolota, Lauren precisa lidar com novos desafios. O surgimento de um líder carismático pregando uma América forte pode colocar tudo o que ela construiu em apuros. Qual será o destino da Semente da Terra?
É assustador perceber o quanto algumas coisas que a autora pensou se tornaram reais. E esse clima de realismo incômodo já era transparente em Parábola do Semeador. Foi até um dos pontos fortes do livro. Digo de cara que é um livro que vai incomodar pessoas ligadas a religiões de matriz evangélica. A autora não esconde nem um pouco as críticas presentes. Claro que ela se volta àqueles que utilizam a palavra para seu próprio benefício. Mas, de um ponto de vista geral, a crítica é forte sim.
O livro é um embate entre uma visão mais imediatista da fé religiosa como propulsora de mudanças e uma visão mais a longo prazo em uma clara disposição de espalhar a humanidade pelo universo. Neste segundo livro, Lauren é muito mais profética e messiânica do que no primeiro. Ela alcançou um outro estágio na maturação de suas ideias. Mas, o que faz a personagem brilhar é o quanto ela é uma personagem falha, repleta de medos e incertezas. Sendo a criadora de sua própria religião, Lauren é um contraponto a Jarrett, o pastor da América Cristã que funciona como antagonista da narrativa.
Começamos a história alguns anos depois do fechamento do livro anterior. Lauren Olamina, fundadora da nova religião Semente da Terra, conseguiu criar uma comunidade estável, onde seus primeiros seguidores puderam prosperar, ainda que não tenha sido uma jornada fácil. Nem todos acabaram sendo seguidores fiéis, mas aproveitaram a prosperidade e estabilidade do lugar. Estamos por volta de 2030.
Temos duas narrativas trabalhando de forma concomitante na história: a narrativa de Larkin (a filha de Lauren) escrita no futuro e os diários de Lauren, contando toda a sua vivência em Bolota e o que acontece depois da chegada da América Cristã. Percebemos que Lauren acaba precisando fazer uma escolha entre sua família ou a manutenção da Semente da Terra. E esta escolha vai colocá-la no lugar certo para uma tragédia que vai se abalar sobre ela e sua família. Analisando de fora, eu achei injusto o julgamento de Larkin em relação à sua mãe, mas é preciso perceber o quanto esta decisão impactou na vida da garota. As reservas de Larkin com Lauren são grandes e derivadas de dois fatores: a sua visão de "abandono" e o carisma irresistível de sua mãe.
A opção de Octávia em usar duas narrativas em primeira pessoa concomitantes dá um ar mais pessoal ao que acontece. Isso porque o leitor acaba tentado a escolher um dos lados: seja estar do lado de Larkin e discordar de Lauren ou estar do lado de Lauren e discordar de Larkin. É inevitável. E realmente o carisma da protagonista beira quase à manipulação. Em alguns trechos, ela revela um pouco de seus truques de convencimento. Embora não funcione todas as vezes, o fato de ela usar a sua hiperempatia junto de uma simples análise postural/gestual a coloca em vantagem.
Os diários de Lauren começam cinco anos após o estabelecimento de Bolota, sua comunidade onde ela prega a religião que criou, a Semente da Terra. Porém com um movimento de fanáticos religiosos crescendo na região, sua comunidade e sua religião se encontram sob forte ameaça.
A história é contada quase de forma autobiográfica por Lauren, com partes extraídas de relatos de outros personagens, como a filha de Lauren, Larkin, onde ela começa cada capítulo comentando o que lia nos diários de sua mãe, opinando sobre o que ela falava a respeito da religião e da vida em si. Interessante notar que a filha não vê a Semente da Terra com bons olhos e discorda de praticamente tudo o que sua mãe pregava. É uma crítica direta de Octavia para o fundamentalismo no qual muitos cristãos estão caindo.
Achei Larkin muito amarga em alguns momentos, porém devido às circunstâncias nem teria como ser diferente. Da perspectiva dela, a mãe sempre ficaria do lado da Semente da Terra e isso a tornou extremamente crítica à pregação da mãe, por vezes acreditando que fosse algo oportunista e que se aproveitava de boas pessoas com promessas vagas e impossíveis. Por outro lado, há momentos em que você realmente acha isso por conta da capacidade de hiperempatia que Lauren possuía.