tha_rbrandao 19/04/2024
?A resistência sempre foi minha virtude, então continuei.?
Circe não é apenas um reconto da famosa bruxa mitológica, mas é também um mergulho no cerne feminino. Pôde-se entender como uma revolução feminista: ?A mulher que reivindica a si mesma? ou uma narrativa de auto deferência - escolha como quer encarar.
Fato é que nossa heroína é uma mulher humilhada e, desde a nascença, obliterada por sua própria família de deuses e titãs. Encontra na magia, no esforço laborioso de cada dia, sua própria fonte de poder. Sua voz. Sua impavidez. E naqueles séculos em Eana, forja com suas mãos e força de vontade sua própria mitologia, construindo o imaginário da poderosa deusa que causa temor e fascínio em aparições como em Odisseia, de Homero.
A Circe que eu conheço é a grande feiticeira nas pinturas de John William Waterhouse, isolada em uma ilha que se dobra a sua vontade, e dela extrai tudo aquilo que deseja, transformando em poder. Uma mulher impetuosa, cruel, vivendo entre leões, lobos e leoas de estimação. Devorando homens transmutados à porcos devido a sua própria ganância e vaidade para com ela. Mas aqui vamos além do mito, pois encontramos a familiar natureza crua que nos constitui, como medo, rejeição, insegurança e ira.
A escrita em primeira pessoa é extremamente imersiva e poética mesmo em sua agilidade, expressando em palavras toda a magia que flutua e tinge os dedos de Circe. Gosto de textos como esse que exploram o ambiente com lirismo e reverência. É como se, enquanto leio, também pudesse inspirar esse ar carregado de encanto, enchendo meus pulmões.
Mas por, talvez, duas ou três vezes senti que a Madeline Miller se perde, e as palavras se tornam vagas, livres de coerência, se confundindo entre algo que está no passado, um possível futuro ou um presente verdadeiro. Isso, ou então eu simplesmente não estive atenta o suficiente nesses momentos - considerando que li tudo em média de 20 horas corridas posso ter sim me perdido no ritmo da narração, ao invés da própria autora.
O que mais me agradou também foi a nítida progressão de Circe através dos milênios, caminhando passo ante passo por arquétipos e explorando suas sombras: a conhecemos primeiro enquanto donzela, então, na descoberta de seu poder, se transforma em mística; Na sua isolada ilha floresce a caçadora, e em resposta à ingratidão dos homens, nasce a anima, e depois, na paixão, vem a amante, seguidas pela mãe, a soberana e por último a sábia, completando assim sua jornada de maneira perfeita, sem destoar em momento algum ao mostrar-se ingênua demais em sua infância ou soberba demais quando já trás consigo a experiência de mais de uma dúzia de vidas.
Em resumo, Circe é um livro que vale muito a pena, principalmente se você for mulher e/ou gostar de mitologia grega. Eu amei todo o tempo que estive imersa nessa história e com certeza se tornou um dos meus favoritos do ano.
Recomendação | Ouça: King - Florence + The Machine.