Ari Phanie 23/07/2020A Força Indomável da Deusa (Mulher)Eu não lembrava do quanto gosto de mitologia grega até começar a ler esse livro. Circe chegou em meio a um hype barulhento, e como sempre faço nesses casos, deixei o livro aguardando na minha estante até a expectativa diminuir, e quando peguei ele já não esperava muito, e me surpreendi; exatamente o que eu gosto que aconteça.
Eu sempre gostei do mito da Circe, assim como do de Medusa e Pérsefone. Por motivos variados, chamavam minha atenção. Uma era uma bruxa temível que foi presa em uma ilha, outra tinha o poder de transformar em pedra quem olhasse para ela e a outra era a rainha do submundo. Bad bitches. Mas meu conhecimento (ou aquilo que eu lembro) se restringe a pouco assim, então foi ótimo mergulhar na releitura de uma das minhas deusas preferidas e poder ver que a Miller foi o mais fiel que pôde.
A história começa com uma Circe passiva, apagada e submissa, vivendo em solidão nos salões de seu pai, o deus Hélio onde era ofendida e humilhada por seus muitos fúteis parentes poderosos que a viam como a piada da família. Ela se sentia deslocada e não sabia exatamente quem era ou quem devia ser, mas quando conhece um mortal pela primeira vez acaba tocando partes de si que não sabia que existiam e também acaba gerando a ira dos deuses. E é aí que começa a sua jornada de descoberta e construção. Miller conseguiu fazer com que ficasse perceptível o desenvolvimento da Circe de uma maneira bem discreta e é doloroso e familiar vê-la passar da criança assustada à mulher determinada e impassível. Circe acaba encontrando as respostas e a transformação necessária nela mesma, na solidão e nas experiências que lhe obrigaram a abrir os olhos sobre o mundo dos homens e dos deuses.
Como eu disse, a autora tentou ser o mais fiel aos mitos que conseguiu e quando vários personagens que conhecemos muito bem (ou não) aparecem, mesmo que sob nova ótica, eles são e fazem tudo aquilo que já foi gravado em pedra. E como qualquer boa história grega, sua narrativa tem bastante tragédia, melancolia e perda, mas você não vai encontrar muita ação e esse nem é o foco que a Miller escolheu. Essa é uma história sobre identidade, solitude e liberdade, que aborda muitas questões interessantes, como por exemplo, maternidade, e sem maquiar o tema.
Enfim, a autora ofereceu aos leitores um olhar mais realista da bruxa Circe, que nos registros mitológicos é uma megera, a bruxa idealizada que precisa ser combatida e controlada; mas que aqui representa tudo o que uma bruxa é, na realidade: a mulher cujo poder os homens não entendem e querem conter. Nada é mais verdadeiro do que isso, seja na mitologia grega, seja na história real.