Rafaelle 21/04/2024Que desgraça de livroJude: o livro que me fez repensar minha vida como leitora. E foi porque foi uma leitura incrível? Não! Foi porque eu odiei com todas as minhas forças.
Jude não é apenas a história de um jovem rapaz que teve seus sonhos esmagados pela crueldade da vida. Ah, isso a história é também. As pessoas e a sociedade se mostram perversas e cruéis no livro todo. Mas se fosse isso o problema eu poderia apreciar uma história sobre tristeza sem fim. Vejam só: eu adorei Tess dos D?Ubervilles, outra desgraceira sem fim do mesmo autor.
O problema de Jude é que também é um livro sobre um personagem que faz muitas escolhas erradas e parece não se responsabilizar em momento algum por isso. Mais de uma vez ele põe seus sonhos de lado por uma mulher e colhe as consequências de sua escolha. E por pagar um preço desproporcionalmente alto, em momento algum parece perceber a própria tolice.
Não apenas um livro sobre a crueldade da sociedade, mas também um livro sobre dois personagens que decidem voluntariamente não se curvarem às convenções. Muito me revoltou quando Jude e Sue decidem não se casar apenas porque não. Ambos já divorciados em certa altura da história poderiam ter resolvido sua situação. Eles SABIAM em que mundo viviam e escolhem não casar por uma espécie de estupidez romântica. Um medo ridículo de que o amor deles se acabe quando se transformar em algo convencional, uma superstição sobre ninguém da família ser feliz no casamento. Nem mesmo a existência dos filhos faz os dois pararem de olhar para o próprio umbigo e pensar que eles poderiam melhorar a imagem deles perante a sociedade por amor aos filhos desse relacionamento.
Então o que fica é um grito de que as convenções são ridículas proferido por dois imbecis. E o autor ainda acha necessário colocar uma das cenas mais hediondas que eu já tive o desgosto de ler na vida. O que acontece com as crianças não apenas me revoltou, chocou e embrulhou o estômago. Essa cena em específico me fez querer rasgar o livro e depois tacar fogo. Eu parei pra me questionar: por que raios eu leio esses clássicos? Por que eu me importo com listas de leitura? E, honestamente, perdi muito do interesse de ler vários livros só porque pertencem ao cânone literário. Se for pra ter esse tipo de experiência eu passo a vez, obrigada.
A única coisa que me fez dar duas estrelinhas é que a narrativa segue um excelente ritmo e porque Sue, embora uma personagem detestável em boa parte do tempo, teve uma construção muito interessante. Especialmente a relação dela com a sexualidade mostra mais uma vez que Hardy tinha uma sensibilidade extraordinária para questões femininas. A repugnância que ela sente por ser tocada pelo primeiro marido é algo que sentimos junto com ela nas páginas e a ausência de interesse sexual mesmo quando ama me fez questionar se ela não seria assexual. Uma personagem que não gostei mas que me surpreendeu pelas diversas camadas. Poderia ter sido mais, muito mais, poderia ter salvado o livro se fizesse escolhas melhores.
Enfim, passei a leitura inteira só ouvindo o Caetano Veloso dizer para os personagens na minha mente: ?Você é burro cara, que loucura! Como você é burro, que coisa absurda?. E é isso: um livro sobre desgraças, escolhas burras, injustiças da vida e nenhum sentimento de sequer ter aprendido alguma coisa no final. Se fosse pra ver desgraça só pela desgraça eu assistiria o noticiário.