Aione 04/12/2020Foram muitos os burburinhos sobre Pessoas Normais, segundo romance da irlandesa Sally Rooney, especialmente após o lançamento da série homônima adaptada do livro.
Connell e Marianne estudam na mesma escola, mas fingem que não se conhecem. Ele, filho de Lorraine, que trabalha para a família de Marianne, é popular, enquanto ela é solitária. Uma relação secreta entre eles se inicia, estendendo-se para os anos da faculdade, sempre marcados pelos encontros e desencontros entre os dois e pela troca de seus papéis sociais.
A premissa de Pessoas Normais me lembrou a de Um Dia, de David Nicholls. Como no romance do autor, o tempo aqui é um fator de extrema importância, marcado não apenas pela passagem dos anos, mas principalmente pela escolha narrativa de Sally Rooney. Em terceira pessoa no presente, a sensação durante a leitura é a de um quadro sendo pintado, com uma presentificação muito intensa dos instantes narrados. Mais do que isso, os capítulos são sempre separados pela diferença de alguns meses entre eles, de maneira que, também, transmitem uma impressão muito grande de efemeridade — um dos temas do romance. É como se, de fato, apenas o agora existisse, e nada além dele fosse o bastante para ser mantido, como se nada sobrevivesse à ação do tempo. Essa fluidez do tempo é também sentida nos diálogos, que aparecem mesclados à narrativa sem sinalização por aspas ou travessão.
Através das personalidades, anseios e conflitos de Connell e Marianne, Sally Rooney aborda questões de saúde mental, políticas e das próprias relações que estabelecemos com o outro. É bonita a maneira como a autora demonstra o impacto que causamos na vida de alguém e como somos impactados, podendo ocasionar uma alteração gigantesca em nossas trajetórias. Quem seríamos se não tivéssemos cruzado com determinada pessoa? Quem ela seria e onde estaria? Em um ano de isolamento social, uma mensagem como essa nos lembra que não somos ilhas isoladas, mas afetamos e somos afetados pelo outro constantemente. Também, as questões políticas relativas às visões de mundo dos personagens aparecem não só como críticas ao capitalismo, mas também na construção individual desses sujeitos e na maneira de como eles são lidos: as diferenças de classe social são a todo momento contrapostas, ligadas, inclusive, à necessidade de aprovação que cada um terá.
As relações familiares, assim como as amizades, contribuem para moldar os personagens não só por como eles são afetados a partir desses relacionamentos, mas também pelo que eles aceitam sobre ele. Os desconfortos internos, as buscas individuais e as projeções que levariam a uma tentativa de preenchimento são constantes, assim como é constante o descontentamento. Assim, a partir dessas indagações e desânimos, Connell e Marianne se sentem deslocados, questionando como seria se fossem normais — sem se darem conta que esse é o pensamento que reverbera para além deles. Afinal, o que é ser normal? Se dores tão próximas de pessoas tão aproximadas ainda assim não são reconhecidas, não estaríamos todos vivendo as mesmas angústias, cada um a seu próprio modo? Pela sensibilidade da autora ao trabalhar emoções tão complexas e delicadas, senti nos personagens dores que são minhas, de forma que a leitura foi pungente e catártica nesses momentos.
É assim que Sally Rooney conduz Pessoas Normais, entre encontros e desencontros de um amor que cresce nas dificuldades de se amadurecer, na dificuldade de compreender a marcha da vida. Foi impossível finalizar o livro sem sentir seu impacto, porque a realidade crua e brutal está presente até a última linha, sem tempo para alívio. A mensagem é a de que estamos todos tentando e de que tudo é passageiro — menos, talvez, os impactos que causamos ao cruzar nossos caminhos com outros.
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