A fúria

A fúria Silvina Ocampo




Resenhas - A fúria


66 encontrados | exibindo 16 a 31
1 | 2 | 3 | 4 | 5


Neilson.Medeiros 28/12/2022

Ocampo nos apresenta um conjunto maravilhoso de contos que mexem com nossa imaginação, sobretudo quando põem crianças perversas e donas de casa sorrateiras como personagens inusitados de histórias de terror. É muito charmoso o jeito de narrar coisas horríveis. Além disso, parece que muitas vezes a troca e o ?espelho? funcionam como recursos para movimentar as histórias. Gostei muito! Precisarei revisitar alguns contos para ampliar minha experiência/compreensão de leitura.

Contos de que mais gostei:
A lebre dourada
A casa de açúcar
As fotografias
A fúria
O carrasco
Azeviche
Voz ao telefone
A oração
O nojo
Relatório do Céu e do Inferno
comentários(0)comente



Rolando.S.Medeiros 03/09/2022

"De aura mística, halo nostálgico e crianças infernais, Ocampo faz um realismo mágico bastante característico"

Oníricos, fantasiosos, imaginativos, misteriosos, extravagantes, cruéis, ou junção de tudo isso e muito mais: são diversos os adjetivos que podemos dar aos contos da Ocampo, que correm em variadas direções, levados pelo estilo único de escrita da autora, subvertendo o cotidiano pelos olhos de homens, mulheres, crianças e até animais.

Ocampo quebra todos os clichês sobre o amor, bondade, caridade, lealdade, e todos os outros ''ades'' e bons sentimentos; embarcando na estranheza, no bizarro, no nojo, na repulsa e na perversidade, em cartas, relatos, memórias, sonhos e até fantasias. De aura mística, halo nostálgico e crianças infernais, Ocampo faz um realismo mágico bastante característico, com um estilo que certas vezes pode até engessar a narrativa, mas que outras vezes a faz fluir como um sonho, ou, habilmente, a faz estender-se como pesadelo.

São contos curtos, e no meu caso, especificamente, foi uma leitura interessante, mas truncada, tanto que até larguei o livro por um tempo antes de retornar e terminá-lo. A disparidade entre os contos é notável, mas agora que terminei, vejo que o esforcinho que fiz valeu a pena, termino o livro com um gosto bom na boca. E talvez a experiência de leitura desse livro tenha se tornado melhor assim, degustado aos poucos, e não devorado de uma vez.

Comentários, com spoiler e notas, conto a conto:

[ A sequência dos cinco primeiros contos é um exemplo dos altos e baixos do livro. Apesar deste primeiro passar a aura onírica que permeará o restante da obra, não consegue marcar muita coisa além de uma inexplicável atração por sua estranheza (que também permeará o resto da obra); e pontuo isso de maneira ligeiramente negativa, pois, sei que não é uma característica superior da escrita, ou que se mostrará inteiramente para os primeiros leitores; não é um passo na estranheza da Ocampo, é um mais como o vislumbre de um sonho de alguma de suas personagens. A Lebre Dourada é uma fábula sobre o encontro do sobrenatural com o natural; ela parece fugir dos torcidos temas cotidianos, frequentes na maior parte do livro, mas talvez com um olhar atento consiga se fazer um paralelo entre a fábula e nossa sociedade. 2/5



“Somos um compêndio de contradições, de afetos, de amigos, de mal-entendidos – me dizia Elena. Certamente pensando em mim, acrescentava: — Somos monstros (...). Somos também o que as pessoas fazem de nós. Não amamos as pessoas pelo que são, e sim pelo que nos obrigam a ser”

Nesse conto — um de meus preferidos — a mudança de tom é brusca comparado com o conto da lebre. A disparidade é até agradável. Em A Continuação, uma pessoa — no inicio não sabemos ser homem ou mulher, Ocampo brinca com a identidade de gênero — envia uma carta à outra com quem se relacionava. Raiva, ciúme, posse e delírio começam a se revelar, e logo o real e o ficcional começam a se embaralhar; arte e vida se metamorfoseiam em uma coisa só. 4/5



“Que preço tem um corpo. Vivemos como se ele nada valesse, impondo-lhe sacrifícios, até que entra em pane. A enfermidade é uma lição de anatomia”.

O Mal nos convida a conhecer as últimas horas de vidas de um enfermo no hospital, a situação, o delírio, o torpor, e a viagem do coma, que são seus últimos momentos. 3/5



Outro ótimo é O Rebento, onde dois irmãos maltratados pelo avô, estimulam o filho de um deles a brincar com a arma do velho. O avô adora ver o neto imitando a si mesmo, numa pantomima de poder e violência; os irmãos deixam que o faça, com um objetivo de se libertarem de um tipo de opressão. 3/5



"As superstições não deixavam Cristina viver. Uma moeda com a efígie apagada, uma mancha de tinta, a lua vista através de dois vidros, as iniciais de seu nome gravadas por acaso no tronco de um cedro a deixavam louca de medo [...] Quando ficamos noivos, tivemos que procurar um apartamento novo, pois, segundo suas crenças, o destino dos moradores anteriores influiria sobre sua vida (em nenhum momento mencionava a minha, como se o perigo ameaçasse só a ela e como se nossas vidas não estivessem unidas pelo amor).''

Em A Casa de Açúcar — preferido de Cortázar — figura o suspense e o insólito. Um casal se muda para uma casa tão bonita que parece ser feita de açúcar, mas uma das superstições da esposa é não morar em um lugar onde outras famílias tenham tido histórias trágicas: segundo o raciocínio dela, os novos moradores (eles) agirão como esponjas.

Coisas estranhas começam a ocorrer, pessoas batem a porta identificando a mulher com o nome da antiga moradora, progressivamente a história vai tomando um rumo quase de terror até a virada narrativa da história: a nova inquilina começa a adquirir a personalidade da antiga moradora da casa — que morreu louca —, e ressurgem também amores do seu passo (de qual deles?!) Com certeza é um dos melhores do livro. 4/5



Sem deixar a bola cair, Ocampo emenda com A Casa dos Relógios, que se inicia como um doce sonho, e termina como um terrível pesadelo; é um conto perturbador sobre o assassinato macabro de um deficiente sob o ponto de vista de um menino de nove anos. 3/5



Odiado por Borges não pela qualidade, e sim por sua perversidade, Mimosoé um cachorro insanamente amado por sua dona, que manda embalsamá-lo quando este falece. Parece algo normal, mas há algo de insano no afeto da mulher pelo animal. Ela começa a agir estranho, e o marido recebe um bilhete anônimo denunciando certas ações da mulher e insinuando coisas terríveis; ele, então, destrói o cachorro, pensando dar fim á um amor bestial. Mas ela não aceita fácil, descobre o autor do bilhete, resolve se vingar, e Mimoso terá que defender sua dona, mesmo em pedaços, mesmo após morto. É cruel, extremo e perverso, com um final chocante. 4/5



Em O Caderno vemos um pouco de um cotidiano menos distorcido, se tratando de uma superstição não muito distante das que temos aqui na nossa terra tupiniquim: lá é dito que se uma grávida olhar demais para um rosto, seu filho nasce com a aparência similar ao alvo de sua atenção. Uma mulher joga cartas durante todo o período de gestação. Uma boa dose de comédia e ironia. 2/5



Em A Sibila, todo o planejamento de um assalto começa a dar errado quando o ladrão se depara com Aurora, uma jovem sibila, e vira alvo de premonições e adivinhações. É um conto com uma construção bastante curiosa, mística, em que nada parecer ser o que realmente é; vou além, nada parece "concreto"; e o fim abrupto é bem bom. Não é dos melhores, mas tem uma aura única. 3/5



O Porão é protagonizado por uma mulher, possivelmente uma prostituta, que vive reclusa no porão de uma casa, sem luz nem água, e é alimentada pela dona. Ratos também compartilham o lugar com ela. Os ratos só aparecem quando ela está sozinha. Eles não têm medo dela e ela não tem medo deles. Na verdade, ela nem se incomoda com a presença destes animais, exceto quando ela está "acompanhada", ou quando eles chegam à comida antes que ela tenha oportunidade de comê-la. As pessoas na cidade são más e a chamam de Fermina, a Dama dos Ratos, o que ela se ressente. Embora ela realmente os alimente e tenha dado nomes à cada um deles.

A única maneira de Fermina sobreviver em uma sociedade que a marginalizou é por meio de algum malabarismo mental que permita-lhe transformar aquele espaço frio e escuro em um mundo belo e mágico. As últimas linhas da história sugerem que iniciou-se uma demolicação e Fermina morrerá sob os escombros. Entendi que o modo como ela vive, é um jeito dela de fugir do lado de fora, do mundo que é ameaçador para ela. É um conto triste, que termina com desesperança. 3/5



Em As Fotografias comemora-se a festa de aniversário de uma menina paralítica, registrada em uma inusitada sessão de fotos, que vai drenando a energia da aniversariante até um final trágico, ignorado pelos convidados. A ironia com que é narrado o desenrolar da festa e como a família se preocupa com tudo menos com a aniversariante e seu bem-estar não faz rir, mas passa uma certa comicidade, misturado que une-se com a tragicidade do conto. 3/5


“O destino é como um tigre que já provou carne humana e vigia o seu dono”. Em Magush, um adolescente adivinha o futuro nas janelas de um prédio vazio. Você não entendeu errado, é isso mesmo. Ele lê o futuro conforme as luzes acendem-se e apagam-se nos prédios. 2/5


No conto A Propriedade vemos um pequeno excerto da vida de uma empregada na casa de uma mulher rica, consumista, e vaidosa, e o baque que ocorre em sua vida quando uma outra pessoa chega e começa a mudar todas as opiniões da sua antes tão querida dona de casa. No fim, confusa, a empregada terá que decidir como se comportar em relação ao personagem que acabou com sua ''vida mansa''. 2/5



Uma mulher é levada a loucura em uma história sobre a perda e o reencontro de bens materiais, intitulada Os Objetos. 3/5



Em Nós, temos dois irmãos gêmeos idênticos, que gostam de aventuras, e principalmente, de confundir suas vidas. Apaixonam-se pelas mesmas mulheres, dividem as namoradas (sem que elas saibam, claro), e quando são pegos nesse jogo perigoso, terminam e partem para a próxima, pois a vida , de outra maneira, é para eles tediosa e sem sentido. 3/5



Todo o assombro, surpresas e ocultismo que envolvem as insólitas narrativas de Ocampo estão delineadas em A Fúria. São diversos os contos sobre crianças malignas ao longo do livro, e isso não podia faltar no conto que dá nome a obra, sobre uma menina que coloca fogo em sua amiga, e um homem que comete um assassinato para não provocar um escândalo. É um conto interessante, misterioso, com uma reta final interessante, mas um fim um pouco desfocado. 3/5



''Faz quanto tempo que não penso em outra coisa a não ser em você, imbecil?, você, que se intromete nas linhas do livro que leio, na música que escuto, dentro dos objetos que vejo. Não creio ser possível que o revestimento do meu esqueleto seja igual ao seu. Suspeito que você pertence a outro planeta, que seu Deus é diferente do meu, que o anjo da guarda da sua infância não se parecia com o meu...''

Em Carta Perdida em uma Gaveta, alguém — Ocampo novamente brinca com identidade de gênero — escreve uma carta de ódio (tão próximo do amor obsessivo: “[...] você, que se intromete nas linhas do livro que leio, na música que escuto, dentro dos objetos que vejo. [...] Tudo era menos imundo do que a sua cara”) para outro alguém (que só saberemos ser outra mulher depois de várias linhas). Descobrimos, então, que o ressentimento nasceu na infância, espaço de todos os males posteriormente desenvolvidos (“Não há criança infeliz que depois seja feliz”). Não há empatia; há paixão desprezada, avesso, e até planejamento de vingança não executada. (“Descartei a ideia porque a morte não me pareceu um castigo.”). 3/5



O Carrasco é um conto bem curto e confuso, situado no passado, onde em uma festa, um imperador mata presos políticos em caixas. Achei um dos mais destoantes, e me perdi completamente, não consegui pescar nada. 1/5



Para recompensar, em Azeviche, temos um relacionamento gostoso de ler, de um homem que larga tudo para começar uma nova vida com sua esposa no interior. E a mulher, pouco instruida, que é fascinada por cavalos, cuida deles, os desenha, passeia com eles pelos campos; quando está sozinha com seu animais, é quase como se conseguisse se comunicar com os equinos, ou talvez até fosse hipnotizada por eles... 4/5



A Última Tarde talvez seja o mais onírico de todos os contos, na história de um irmão que vive a vida do outro, o sonho se mistura com a realidade, paredes se desmancham, animais passeiam livres, e mansões caras possuem chão de terra batida nos quartos. No fim, um dos irmãos é despertado desse sonho de maneira brutal, por quem menos esperava. Sem a roupagem de sonho, é uma história triste, de um homem ingênuo. 3/5


O Vestido de Veludoé um conto estranho, sobre uma velha e seus tecidos caros e apertados, que suas criadas mais novas experimentam nela. Há algo aqui, relacionado as classes sociais ou ao consumismo, quando a mulher rica morre estrangulada pelo seu vestido em meio à diversas roupas caras, enquanto uma das criadas repete sem parar ''Que divertido!'', mas não foi do meu agrado, e esse é um dos que menos gostei de toda a antologia. 1/5



Embarcando no realismo mágico que estamos acostumados, contada por um ''garotinho'', Sonhos de Leopoldina é a história de uma anciã de 120 anos, que consegue tirar objetos de seus sonhos. Ao sonhar com uma praia, por exemplo, ela encontrará conchas a seus pés. Ludovica e Leonor, suas filhas-netas, são interesseiras e invejosas, e sempre ouviram falar que Leopoldina era uma sábia senhora, apesar dos hábitos simples, e que possuía algum tipo de poder sobrenatural. É aí que elas descobrem que os sonhos da senhora se materializam no mundo físico. Começam a ver nisso um atalho para sairem da pobreza, querem tirar proveito da habilidade da senhora. Elas querem que Leopoldina sonhe com carros, bijuterias, anéis, brincos dourados, etc. Mas, elas acabam esbarrando na simplicidade da mulher, incapaz de pensar em riquezas ou bens materiais. A trama vai rodando, e cada parágrafo se torna mais estranho, Leopoldina vai ficando mais tensa, e as jovens, mais despreziveis, até o derradeiro penultimo sonho de Leopoldina. É um conto extremamente sensível, e um dos melhores do livro. 4/5



Em seguida engatamos com o ótimo As Ondas, onde temos um refresco e uma pausa nos contos oníricos e fantasiosos. Aqui temos uma ficção científica, ou distopia, situada em 1975, onde as pessoas começam a ser divididas em grupos pela disposição de suas moléculas. Um casal falsifica documentos para permanecerem juntos, mas seu crime é descoberto quando um casaco é emprestado à uma amiga do casal. Nesse mundo, por causa de uma lei, familia foram divididas, lares desfeitos e cidades praticamente tiveram que começar do 0, com outras pessoas, tudo ordenado pelas moléculas.

O final também é bem bom. A mulher, depois da separação, encontra um sábio (ou um charlatão) e decide fazer uma operação para mudar a disposição de suas moléculas a fim de combinar com a de seu marido, definitivamente; ela não sabe como é feita a cirurgia, e nem sobre os seus perigos, mas decide encarar mesmo assim, e o que fica subentendido após isso é cruel. 4/5



Novamente com as crianças perversas de Ocampo, O Casamento é interessante, mas há descrições exageradas de moda e salão, sem um baque que transformasse o conto em algo mais. Uma menina de sete anos, enfia uma aranha venenosa no coque da vizinha que vai se casar; isso não é um spoiler, se você chegou até aqui na sua leitura, com o aparecimento da aranha você já suspeita o que vai acontecer, meio que tornou-se previsível o fim, para mim foi bem abaixo dos outros contos no geral. 2/5



Em compensação, novamente, A Paciente e o Médico, que vem em seguida, é ótimo, e um dos meus favoritos da antologia. Relacionamentos unilaterais, obsessão, personagens pertubados e bizarros, depêndencia emocional, ponto de vistas diferentes; tudo isso é uma amostra da habilidade da autora em abordar diversos temas e ao mesmo tempo desenvolver uma história bem compassada e com um bonita dicção. A paciente, uma mulher sem propósito, acaba se apaixonando pelo médico que a atende. A partir de então entramos na jornada romântica da mulher, que tenta atrair a atenção do homem lhe dando diversos presentes. A escala vai aumentando e os limites de uma paixão normal começam a ser quebrados: ela chega a se prostituir para comprar presentes cada vez mais caros para seu amado. Partimos então, para a mesma história sob o ponto de vista do médico, e o que era apenas um amor extremo, torna-se bizarro. 4/5



Bem, a fim de deixar marcado aqui na resenha, depois do conto anterior, que é ótimo, não entenda errado, não foi ele o motivo da pausa, e sim um acúmulo de coisas, o livro tornou-se um pouco cansativo para mim, então deixei-o de lado por uns bons quatro meses. Mas, retorno agora em Julho (2021) para terminá-lo, e o conto que me recebe de volta é Voz ao Telefone, uma conversa em primeira pessoa, onde o protagonista explica o motivo de festas infantis entristecê-lo e o medo que tem por fósforos. Bem, escrevendo agora depois de terminar, juntando os dois fatos citados anteriormente, acho que fica claro a tragédia, mas durante a leitura, não ficou explicito para onde o conto se encaminhava — ou talvez minha pausa me deixou destreinado na narrativa da Ocampo —, mas felizmente a narrativa é curtinha e fluída, e apesar de cruel, é um bom jeito de ser reinserido ao mundo da Ocampo novamente. 2/5



O Castigo é o nebuloso conto de uma mulher iludida, que resolve expor a tona ao marido toda a sua infelicidade com o relacionamento. Seu marido é raivoso, ciumento e impulsivo, mas hipnotizado pela história, deixa a mulher deitada em seus joelhos colocar para fora tudo que está sentindo, embarcando no passado junto com ela. O final é abrupto, e misterioso, o homem é envelhecido literal e metaforicamente, pelos longos, transcendentes e melancólicos da mulher. 3/5



A Oração, é a confissão de uma bela mulher que necessita que Deus a recompense pelos seus ''atos bondosos''. Mesmo que ela cometa adultério, minta, observe um (ou mais) assassinato sem agir, e muito mais. Lavinia é uma mulher insatisfeita no casamento e acaba tentando descobrir uma razão para sua vida no convívio social e na igreja. Ela acaba adotando um menino de rua o qual ela salva de alguns agressores e o leva para casa. A partir daí a narrativa começa a tomar tons bem estranhos. É muito explicito o motivo da desconfiança e ódios das outras pessoas pelo garoto, mas Lavinia acaba insistindo na premissa de que o menino é um ser puro, mas ela não consegue tirar da cabeça que ele pode cometer algum ato de violência a qualquer momento. A forma de confissão com que é narrado o conto é interessante, mas ao longo da leitura você vai se desprendendo, e logo ele perde o caráter único que o pauta. Mas no geral é um bom conto, bastante intrigante. 3/5

A Criação é um conto declarado pela autora autobiográfico no título, porém, acho engraçado, pois todos os outros contos — até mesmo os mais malucos — parecem inspirados pelo cotidiano da vida na argentina, e tirando a maquiagem fantástica, todos me parecem ter um quê autobiográfico.

Como o nome diz, o conto se trata da criação na arte, especificamente de uma composição musical cultural observada pela Ocampo. Ela se encanta com a beleza de uma música estranha, que toda a cidade acaba também abraçando. Fica incrédula de como a composição é boa e como nunca tinha a ouvido antes, soubera que nunca fora gravada e nem sussurrada por ninguém antes, A Criação ocorreu ali e também se perdeu ali, mas sobreviverá nas memórias de alguns, e apesar de não sermos capazes de ouvi-lá, foi eternizada nesse conto. E ela termina com uma ótima reflexão acerca de sua própria obra, espera que como essa música, sua arte vague por aí, com vontade e vida própria, esperando apenas uma ocasião para ser apreciada. 3/5


Dos últimos contos, O Nojo com certeza é um dos mais fluídos e interessantes, contado do ponto de vista de uma cabeleira, Ocampo aborda mais uma vez a crueza dos relacionamentos, mostrando uma mulher que quer apaixonar-se — e logo depois, desapaixonar-se — do marido, e um homem que quando não é mais alvo de uma paixão, renova seu interesse. 3/5


Em O Prazer e a Penitência, um homem quer manter a tradição de possuírem nas paredes retratos pintados dos integrantes da família, ao invés de fotos. Chega a vez do filho do casal ter o seu próprio quadro, e ele manda sua mulher à um ateliê para realizar esse objetivo. Porém, durante as diversas sessões de pintura, a mulher vai cada vez mais se aproximando do pintor, e cada vez a sessão vai tendo mais pausas a sós entre a mulher e o homem. A pintura, no começo bastante crível e parecida com o garoto, vai se mutando conforme a relação entre amantes se estreita, começando a tomar uma forma totalmente diferente. Quando a sessão — para a infelicidade dos amantes — enfim termina, o rosto no retrato é de um garoto completamente diferente, mas ela resolve ficar com a pintura mesmo que seu marido queira um reembolso. A mulher descobre-se grávida, seu novo filho nasce, e cinco anos depois, o garoto cresce, o marido perscruta seu rosto, lembra-se daquele quadro, e compara os dois. 3/5


Os Amigos é uma ótima fantasia, que pode até ser colocada no gênero do realismo fantástico, tão famoso nas mãos dos amigos de Ocampo. Aqui, conta-se a história de dois amigos que compartilham tudo, até parentes, mas que são totalmente opostos. Ao longo da narração, descobrimos que um dos amigos é bastante devoto e é sempre pego orando, e suas preces quase sempre são atendidas, mesmo as piores. Tanto que no conto isso leva a discussão de para quem é que ele ora, para deus, ou para outra coisa? Ele é santo ou bruxo? Não se sabe, mas nota-se que após um desentendimento, basta ele cair de joelhos no chão e fazer suas preces, para o alvo delas cair epiléptico ao chão. Misterioso e único, um ótimo conto. 4/5


Relatório do Céu e do Inferno é bastante curto, e fala sobre o apego à vida, ou melhor, a objetos da nossa vida. O conto faz um exercício ao imaginar que no momento da morte, anjos e demônios nos questionam sobre quais objetos queremos levar para o pós-vida, e dependendo da escolha desses objetos, nosso destino será revelado. Há pessoas que foram para o inferno por apego a uma chave defeituosa, e outras que foram para o céu por se recusarem a deixar sua xícara de café para trás. 3/5



A despedida ao livro, o último conto, é A Raça Inextinguível, que conta sobre um gueto habitado por crianças que não crescem e nem vivem com seus pais, e se as pessoas mais velhas quiserem ocupá-lo, as crianças o destruiriam. Julgo que ela quis abordar a vontade da imortalidade infantil, a maioria das pessoas tem boas memórias da infância, tirando os traumas causados por outras pessoas, e talvez seja esse sentimento que ela queira passar, a vontade de ter uma eterna infância, esta vontade que talvez seja a mais íntima e mais humana de todas.

site: https://linktr.ee/rolandosmedeiros
comentários(0)comente



mononoke 03/06/2022

Como grande amante de realismo fantástico fui para cima esperando do livro as mais loucas reviravoltas.
Realmente ele tem essas reviravoltas que eu tanto esperava, mas no início não consegui apreciar da forma como devia (está aí um motivo para reler depois).
A narrativa dos contos envolve uma inocência na perversão que se contradizia e me deixava meio perdida.
Depois de mais acostumada, mais ou menos no quinto conto, as reviravoltas do sangue no meu coração vieram como eu tanto queria, na forma das narrações e finais mais bizarros e estranhos, exatamente como gosto.
comentários(0)comente



cafeína_ebórea 27/05/2022

Confuso
Esperava mais, poucos contos me passaram o mínimo horror e os outros passam uma ideia de inacabado. Parece que peguei o bonde andando e desci na estação errada com a cara daquele meme do Vincent Vega em Pulp Fiction kk, porém, a escrita de Ocampo é ótima, fácil de entender, esse livro só não é pra mim.
comentários(0)comente



Ju 21/05/2022

Desajuste
Eu tinha acabado de ler A Amiga Genial, da Elena Ferrante, que eu achava que amaria... Mas a linearidade da leitura me incomodou, e dificultou que eu me prendesse a ela. Em seguida, peguei esse de Ocampo pra ler, e desde o início me senti provocada enquanto leitora. Os contos me deixavam com um grande vazio no colo, com enigmas, incompletudes e irresoluções tão desestabilizadoras quanto os temas. Foi uma experiência inesquecível. Ah, amante de Clarice que sou, amei descobrir no posfácio que ambas pintavam, que tiveram aulas semelhantes, que se liam e que, quase chegaram a se encontrar.
comentários(0)comente



Brunov 24/04/2022

Ingênua e perversa melancolia
Sua prosa detalhista com lírica invadida por poesia sempre deixa algo de fora que daria um sentido explícito e isso brinca com a imaginação e a expectativa até jogar um fato perturbador, às vezes bem brutal, para em seguida seguir a vida normal sem explicar nada.

Todas as pessoas podem ter pulsões irrefreadas inclusive cruéis sem medir o peso das consequências nem identificar logicamente os objetos de afeto, desafeto ou sujeitos causadores.

Frequentemente a narrativa parece ser um sonho dado seus elementos psicodélicos como transformações e trocas de papel dos personagens e a repetição de alguns tipos de condições, como lugares e acontecimentos, que cumprem uma função obscura de diferentes formas.

Talvez se alguém se debruçar com repertório psicanalítico Freudiano ou Junguiano consegue distrinchar bem.

A mim soam simbolicamente contos mais livres de repressão neurótica onde as pulsões do inconsciente se soltam, chocam e desenvolvem. Supondo um fio invisível entre os contos; imagino conflitos pessoais no caminho de formação e definição de uma individualidade numa personalidade que se sente ponte para a violência que sofre para aquela que reproduz.
comentários(0)comente



Daniella 20/04/2022

sobre a fantástica loucura do cotidiano
meu primeiro encontro com a escritora argentina silvina ocampo e não poderia ter sido mais intrigante. eu fui meio sem saber o que iria ler, mas já com aquela expectativa de extravagância própria da autora. posso resumir minha experiência de leitura em: no começo dos contos não sabia muito o que estava se desenrolando para no final ser surpreendida por algum acontecimento bizarro. me senti a fleabag chocada lendo a bíblia e com a mãozinha na boca sem acreditar no que estava acontecendo. ou seria simplesmente um arrebatamento com a bizarrice e o pitoresco de silvina ocampo?

ler seus contos é como estar presa em um sonho selvagem, irreal, sinistro e desconcertante. em que tudo pode acontecer e ao mesmo tempo nada acontece. acredito que a magia dos contos é justamente essa, desse desprendimento de querer ser algo grande e existir por si mesmo naquele breve espaço em suas poucas folhas, com o seu sentido e funcionamento próprio, que consegue nos afetar de maneira mais próxima.

“o tesouro mais bem guardado da literatura latino-americana do século XX” em seus contos perturbadores brincam com o véu que separa a realidade do fantástico, ou ela simplesmente nos mostra a loucura fantástica e mágica presente no cotidiano. o corriqueiro cinza e monótono, por silvina ocampo se descortina repleto de cores extravagantes, com uma beleza estupenda e escandalosa.

é também desvelar a nós mesmos, o bicho homem, tirar as nossas máscaras e nos colocar diante de um espelho, percebendo características monstruosas que insistimos em esconder nos rincões do nosso ser. porém, silvina não deixa pedra sobre pedra, com uma escrita simples e direta, como um breve sopro ou um violento furacão, tira tudo do lugar, nos colocando diante de uma imagem perturbadora de nós mesmos. o que talvez, por isso, seja desconfortante ler alguns contos, já outros são inquietantes e alguns conseguem ser hilariantes.

as suas páginas dão vida à crianças extremamente cruéis, vestidos e fotografias maléficas, à declarações de amores, ciúmes e ódios doentias que li sem fôlego, uma mistura de emoções e mistérios em contos fabulares, mal-estares premonitórios, laços familiares devastadores e a sensação de completo deslumbramento.

o universo alucinado de silvina ocampo é um acontecimento singular que recomendo a todes que gostam de uma narrativa curta e da literatura fantástica latino-americana.

deixo aqui meus contos favoritos da coletânea: “a continuação”, “o rebento”, “a casa de açúcar”, “os objetos”, “nós”, “o vestido de veludo” e “o castigo”.
comentários(0)comente



Daniella 20/04/2022

sobre a fantástica loucura do cotidiano
meu primeiro encontro com a escritora argentina silvina ocampo e não poderia ter sido mais intrigante. eu fui meio sem saber o que iria ler, mas já com aquela expectativa de extravagância própria da autora. posso resumir minha experiência de leitura em: no começo dos contos não sabia muito o que estava se desenrolando para no final ser surpreendida por algum acontecimento bizarro. me senti a fleabag chocada lendo a bíblia e com a mãozinha na boca sem acreditar no que estava acontecendo. ou seria simplesmente um arrebatamento com a bizarrice e o pitoresco de silvina ocampo?

ler seus contos é como estar presa em um sonho selvagem, irreal, sinistro e desconcertante. em que tudo pode acontecer e ao mesmo tempo nada acontece. acredito que a magia dos contos é justamente essa, desse desprendimento de querer ser algo grande e existir por si mesmo naquele breve espaço em suas poucas folhas, com o seu sentido e funcionamento próprio, que consegue nos afetar de maneira mais próxima.

“o tesouro mais bem guardado da literatura latino-americana do século XX” em seus contos perturbadores brincam com o véu que separa a realidade do fantástico, ou ela simplesmente nos mostra a loucura fantástica e mágica presente no cotidiano. o corriqueiro cinza e monótono, por silvina ocampo se descortina repleto de cores extravagantes, com uma beleza estupenda e escandalosa.

é também desvelar a nós mesmos, o bicho homem, tirar as nossas máscaras e nos colocar diante de um espelho, percebendo características monstruosas que insistimos em esconder nos rincões do nosso ser. porém, silvina não deixa pedra sobre pedra, com uma escrita simples e direta, como um breve sopro ou um violento furacão, tira tudo do lugar, nos colocando diante de uma imagem perturbadora de nós mesmos. o que talvez, por isso, seja desconfortante ler alguns contos, já outros são inquietantes e alguns conseguem ser hilariantes.

as suas páginas dão vida à crianças extremamente cruéis, vestidos e fotografias maléficas, à declarações de amores, ciúmes e ódios doentias que li sem fôlego, uma mistura de emoções e mistérios em contos fabulares, mal-estares premonitórios, laços familiares devastadores e a sensação de completo deslumbramento.

o universo alucinado de silvina ocampo é um acontecimento singular que recomendo a todes que gostam de uma narrativa curta e da literatura fantástica latino-americana.

deixo aqui meus contos favoritos da coletânea: “a continuação”, “o rebento”, “a casa de açúcar”, “os objetos”, “nós”, “o vestido de veludo” e “o castigo”.
comentários(0)comente



Daniella 20/04/2022

sobre a fantástica loucura do cotidiano
meu primeiro encontro com a escritora argentina silvina ocampo e não poderia ter sido mais intrigante. eu fui meio sem saber o que iria ler, mas já com aquela expectativa de extravagância própria da autora. posso resumir minha experiência de leitura em: no começo dos contos não sabia muito o que estava se desenrolando para no final ser surpreendida por algum acontecimento bizarro. me senti a fleabag chocada lendo a bíblia e com a mãozinha na boca sem acreditar no que estava acontecendo. ou seria simplesmente um arrebatamento com a bizarrice e o pitoresco de silvina ocampo?

ler seus contos é como estar presa em um sonho selvagem, irreal, sinistro e desconcertante. em que tudo pode acontecer e ao mesmo tempo nada acontece. acredito que a magia dos contos é justamente essa, desse desprendimento de querer ser algo grande e existir por si mesmo naquele breve espaço em suas poucas folhas, com o seu sentido e funcionamento próprio, que consegue nos afetar de maneira mais próxima.

“o tesouro mais bem guardado da literatura latino-americana do século XX” em seus contos perturbadores brincam com o véu que separa a realidade do fantástico, ou ela simplesmente nos mostra a loucura fantástica e mágica presente no cotidiano. o corriqueiro cinza e monótono, por silvina ocampo se descortina repleto de cores extravagantes, com uma beleza estupenda e escandalosa.

é também desvelar a nós mesmos, o bicho homem, tirar as nossas máscaras e nos colocar diante de um espelho, percebendo características monstruosas que insistimos em esconder nos rincões do nosso ser. porém, silvina não deixa pedra sobre pedra, com uma escrita simples e direta, como um breve sopro ou um violento furacão, tira tudo do lugar, nos colocando diante de uma imagem perturbadora de nós mesmos. o que talvez, por isso, seja desconfortante ler alguns contos, já outros são inquietantes e alguns conseguem ser hilariantes.

as suas páginas dão vida à crianças extremamente cruéis, vestidos e fotografias maléficas, à declarações de amores, ciúmes e ódios doentias que li sem fôlego, uma mistura de emoções e mistérios em contos fabulares, mal-estares premonitórios, laços familiares devastadores e a sensação de completo deslumbramento.

o universo alucinado de silvina ocampo é um acontecimento singular que recomendo a todes que gostam de uma narrativa curta e da literatura fantástica latino-americana.

deixo aqui meus contos favoritos da coletânea: “a continuação”, “o rebento”, “a casa de açúcar”, “os objetos”, “nós”, “o vestido de veludo” e “o castigo”.
comentários(0)comente



Verissimo 11/04/2022

um crime por conto
Ler A FÚRIA foi como redescobrir a capacidade humana para o mal, ao mesmo tempo que para o bem. Aaqui, se colocarmos numa balança todos os contos como se fosse uma batalha, o mal parece vencer, de uma forma avassaladora, ou cômica, até.
comentários(0)comente



pluto 31/03/2022

TENHO QUE ME DESACOSTUMAR
Descobri que parar no meio do livro e voltar a lê-lo depois de um tempo, retomando de onde parou, não é uma experiência boa. Eu poderia ter começado tudo de novo, mas estava sem saco pra isso. Sabe quando você tá naquele período de ressaca, que você não consegue ler mais que um capítulo por dia. Bem, acho que estou nesse período. E talvez seja esse o motivo por eu não ter gostado taaanto de "A fúria". Mas é importante frisar que é un livro excelente, só que eu acho que eu nao li ele no período certo. Mas enfim. Vale a pena a experiência.
comentários(0)comente



Rodrigo 19/03/2022

Literatura argentina
Um livro de contos rápidos (alguns até um pouco apressados) que tratam principalmente de eventos do cotidiano. A maioria dos contos envolve aspectos do chamado realismo fantástico. Não me cativou tanto, mas não deixa de ser um bom livro para conhecermos um pouco mais da nossa tradição literária latina.
comentários(0)comente



João 13/03/2022

Muito bom!!
Místico, misterioso, encantador e fantasioso. Os contos me mostraram durante a leitura sensações nunca sentidas antes, parecia que eu estava entrando em um sonho psicodélico durante a lucidez do dia.
comentários(0)comente



Biblioteca Álvaro Guerra 07/03/2022

Publicado em 1959, A fúria é considerado “o mais ocampiano” dos livros de Silvina, obra em que a autora encontra sua voz única e inaugura seu universo alucinado.

Livro disponível para empréstimo nas Bibliotecas Municipais de São Paulo. Basta reservar! De graça!

site: http://bibliotecacircula.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/isbn/9788535932607
comentários(0)comente



66 encontrados | exibindo 16 a 31
1 | 2 | 3 | 4 | 5


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR