Julia 10/07/2023If you ever find yourself in Giovanni's room, you're living. Actually living. Don't f4ck it up. And if you do, say you're sorry.Ando reflexiva sobre o amor e peguei esse livro pra ler depois de ver o vídeo-resenha do canal Better Than Food. É um canal muito bom apresentado por Clifford Sargent, um americano muito americano, muito engraçado. Concordo com alguns pontos da resenha dele e discordo de outros.
Esse livro me lembrou muito "This is how you lose her", do Junot Díaz, que mostra de uma forma brilhante a construção do machismo na cabeça de uma criança e seus relacionamentos na vida adulta, até finalmente começar a desconstruir esses conceitos depois de muito sofrer de solidão. Uma análise maravilhosa sobre a vivência dos homens do machismo e a impossibilidade de amar por ver as mulheres de forma tão desumanizada.
Em Giovanni's Room, David é terrível com Jacques, Giovanni e consigo mesmo por causa da homofobia internalizada. Ele é totalmente consumido por uma angústia e uma vergonha paralisante que o impedem de sentir. O quarto de Giovanni é o único lugar onde encontra algum alívio. Por isso Clifford Sargent diz "Deus tenha piedade de quem se afasta quando o amor abre a porta. Se você se encontrar no quarto de Giovanni, você está vivendo de verdade."
Mas tive uma visão menos otimista sobre David e sua relação com Giovanni. Não achei que o livro seja sobre deixar a vergonha e o orgulho triunfarem sobre o amor. Não vi esse alívio de David no quarto de Giovanni. Ele se muda para lá porque ia ser despejado da pensão e estava sem dinheiro e sendo sustentado por Giovanni. E repete o tempo inteiro como o quarto era sufocante, o quarto que era o único lugar no mundo em que ele se permitia o mínimo que fosse viver sua sexualidade e ter uma relação de fato. Mas como era essa relação? David também repete o várias vezes como nunca conseguia estar totalmente presente, como não se interessava na vida de Giovanni além dos momentos em que passavam juntos. Sempre que sentia qualquer emoção ou sentimento mais forte começar a tomar conta dele, ele o sufocava o quanto antes. E isso não passa batido para Giovanni, que sabe e sofre o tempo inteiro por saber que não pode contar com David, que ele "lhe olhava e não lhe via", que nunca esteve de fato com ele. Giovanni passa o tempo quebrando as paredes do quarto para instalar uma estande livros e fazer o quarto parecer maior. E, martirizado pela culpa depois de perder o filho e abandonar a família, se flagela ainda mais com essa relação. Isso que é viver de verdade?
Uma cena que me marcou bastante foi o acerto de contas no quarto. Depois de Giovanni acusar David de não o ver, David diz que tudo que ele fez, ele fez a si mesmo, e não a Giovanni. O que é a pura verdade e é muito triste, porque além de mostrar o ódio que David tem por si mesmo, mostra o quanto ele usou Giovanni desconsiderando totalmente seus sentimentos e quem ele era enquanto pessoa. Apesar da questão de David e do protagonista de "This Is How You Lose Her" ser um pouco diferente, acho que nesse ponto eles convergem muito. Os dois livros tratam da incapacidade de amar, e essa incapacidade vem da anulação total do outro, seja por machismo ou por ter o olhar totalmente consumido pelo ódio contra si. E também por isso entendo muito o Baldwin quando ele diz que esse livro não é sobre homossexualidade.
No começo do livro, David fala que sempre pensou em si mesmo como uma pessoa de força de vontade, que nunca recua depois de tomada uma decisão, mas que o único poder que as pessoas de força de vontade têm é o poder do autoengano, porque as decisões estão sujeitas a coisas que vão muito além delas e é ilusão pensar que se está sempre no controle. Essa parte também me lembrou uma passagem de "Homo Faber", um livro sobre um engenheiro que, apesar de não ser má pessoa como David e o protagonista sem nome de Junot Díaz, também é seduzido pela ilusão do controle e acaba vivendo uma literal tragédia grega. Sua ex-mulher, uma professora de literatura, um dia lhe descreve a técnica como um "ardil para organizar o mundo de tal maneira que não tenhamos que viver. Mania do técnico: converter a criação em algo útil, porque não a suporta como companheira, não sabe como tratá-la." David descreve um momento em que ele e Giovanni andam pela beira do rio comendo cereja e cuspindo os caroços um na cara do outro e como dois homens adultos com essa atitude em público deve ter sido uma visão escandalosa, "e eu percebi que tal infantilidade era fantástica na minha idade e que a felicidade dela derivada ainda mais; pois naquele momento eu realmente amei Giovanni, que nunca achei mais lindo do que naquela tarde."
É essa conexão, sem controle, com o outro, que esses personagens não conseguem alcançar ou manter. Jacques, um amigo de David e Giovanni (a quem David explora bastante) o alerta sobre isso. Jacques é um empresário rico de meia idade que contrata garotos jovens e a quem David desdenha. Em uma cena em que o desdém de David fica bem aparente, Jacques diz que seus momentos com os garotos de programa são vulgares não pela diferença de idade, o pagamento ou a homossexualidade, mas porque não há conexão, só uma satisfação quase fisiológica das necessidades. E que ele devia amar Giovanni e não pensar em seus momentos juntos como sujos. Porque "se você pensar neles como sujos, eles serão sujos - eles serão sujos porque você não estará oferecendo nada, você estará desprezando o seu corpo e o dele. Mas vocês podem fazer dos seus momentos qualquer coisa menos sujos, vocês podem dar um ao outro algo que fará dos dois melhores - para sempre - se você não sentir vergonha, se não evitar correr o risco. (...) Se evitar correr o risco por muito tempo, vai acabar preso no próprio corpo sujo, para sempre e sempre - como eu."
Nos comentários que li sobre o livro, todo mundo dizia que Baldwin escreve maravilhosamente e que o livro parece um filme. Acho que isso me deu uma expectativa diferente, porque o livro tem poucas cenas e é mais o monólogo do personagem principal. Não curti tanto a leitura, mas provavelmente a razão é porque estou fazendo mestrado e estou tão saturada de ler e escrever que só acho que vou ter prazer com um livro de novo realmente quando entregar a dissertação. Mas a história é maravilhosa, bem contada, e lendo as citações pra escrever essa resenha vi que de fato a escrita é também maravilhosa. O primeiro dos muitos Baldwin que virão.