Victor.Hugo 05/06/2020
Um afável chiste
Eu já deveria ter escrito isto: terminei Memórias de Sargento de Milícias no dia 25 de maio (de 2020, ao leitor futuro) e, desde então, venho postergando o ato a que agora me dedico; talvez por não saber exatamente o que falar, talvez por não me sentir disposto a tornar consciente o inconsciente.
Trata-se de um folhetim romântico de ares realistas a obra mais famosa de Manuel Antônio de Almeida; fazendo uso de uma "narrativa-episódica" ? quase como a formar uma teia de crônicas com os mesmos personagens ?, o autor nos conta a vida (ou, melhor, uma parte dela) do sujeito que dá título ao romance. Aqui, devo me explicar: uso o termo episódico pois a progressão do texto amiúde se dá a partir da narração de episódios (não isolados mas, ainda assim, compreendendo um todo em si mesmos), como quando o autor retrata anos ou épocas por eventos exemplares tal qual os feitos de Leonardo quando do seu trabalho na igreja ou o encontro de seus pais em um navio ao Brasil; outra explicação devida é aquela relacionada aos supostos ares realistas das Memórias: o autor ironiza sentimentos e índoles, joga luz em atitudes e comportamentos que é de se pensar que seriam escondidos ou simulados pelos românticos a fim de idealizar algo. Ainda deve-se dizer que, mesmo portando uma aparência anedótica, os personagens não são planos, pelo contrário: são vítimas extremas de seu livre arbítrio, algo que fornece ao romance um frescor da inconstância que me foi todo agradável ? corroborado por um narrador espirituoso como no trecho "O Leonardo correu precipitadamente pelo caminho mais curto que encontrou; sem dúvida em busca de outro caldo, uma vez que o primeiro se tinha entornado.", em que, na verdade, Leonardo corre de um homem que o crê amante de sua esposa, momentos em que a leitura me levou aos risos. A linguagem, esta foi um prazer a parte; os trejeitos linguísticos do narrador, a metalinguagem, o vocabulário (este que, muitas vezes, me lembrou de minha bisavó), enfim, uma prosa acolhedora (sim, tal é o termo!).
Um livro desses que se me são especiais; que me lembrou no tom um pouco de Brás Cubas e no estilo suas Memórias Póstumas; um livro que, a meu ver, é atemporal. Uma sátira de costumes sem a sutileza machadiana. Maravilhoso.