Natália Tomazeli 31/10/2021Queria que as pessoas notassem que esse livro é problemático**ESSA RESENHA CONTÉM SPOILERS**
Eu não tenho nenhuma frase pra colocar aqui no início, nenhum trecho. Porque na verdade esse foi um livro que eu já desapeguei (e boa sorte pra quem ficou com ele) e que foi com certeza umas das maiores decepções literária de 2021.
Meu intuito com esse texto/resenha é ser a pessoa que irá finalmente falar tudo o que incomoda nesse livro, porque pelo visto ninguém ao menos notou (na verdade algumas poucas pessoas aqui na resenha do skoob notaram, mas enfim) o que é super preocupante e assustador, mas vamos lá...
Pra vocês entenderem o quão surreal foi, é o seguinte: comprei esse livro em pré-venda em 2019 e até hoje nunca tinha lido. Apesar do bonito projeto gráfico e da proposta (falsa, lendo eu descobri) de ser um romacinho fofo, aconchegante e leve, depois que chegou aqui em casa tive pouco interesse em ler (parece que a minha intuição já previa a bomba).
Não tenho como dizer que o início do livro não parecesse promissor, achei mesmo que ele fosse seguir essa proposta citada no parágrafo anterior. Mas tudo o que eu ganhei dessa leitura foi desespero, decepção e principalmente DESCONFORTO!
Que livro mais desconfortável de ler! E ao contrário do desconforto que geralmente acompanha livros LGBTs, que é aquele associado à homofobia, aqui temos um outro tipo de desconforto...
Vou direto ao ponto de dizer que o desconforto que senti foi sobre o relacionamento abusivo entre Edra e Iris sendo colocado como o ápice de um romance entre duas mulheres.
Mais especificamente de Iris com Edra.
Eu juro que em diversos trechos do livro CHOREI com as situações pelas quais a Edra passava por causa da Iris. Gente, se namorar é aquilo ali que as duas viviam, eu não quero namorar nunca, sério. A Iris (além de por si só ser uma pessoa insuportável em diversos âmbitos da vida) é completamente tóxica com a Edra, pondo a culpa dos problemas dela na Edra, forçando Edra a fazer coisas sem consentimento, desrespeitando ela de diversos modos e tendo aquele comportamento "stalker" assustador. E não é fofo, sabe porque? Se fosse (e quando é) um homem fazendo tudo isso que Iris faz com Edra, todo mundo problematizaria, acharia anormal. Mas porque quando é a Iris é considerado fofinho? A autora não se preocupou em problematizar essas situações, ela romantizou tudo isso. Eu achei um absurdo, principalmente por ser um livro redirecionado ao público jovem.
Além disso, o livro traz esteriótipos muito esquisitos. O menino bissexual tá lá só pra ser o menino bi. O menino gay tá lá só pra ser o menino gay. A menina trans tá lá só pra ser a menina trans. É tudo meio que "por cota". Nenhum deles tem um desenvolvimento ou intuito de existir, um aprofundamento.
É o ápice do desconforto também o jeito como a sexualidade da Iris é explorada. Ela vive por anos gostando de um único menino da escola, aparece a Edra e ela surta por ter se apaixonado por ela (até aí ok) mas depois pra meio que descobrir que ela não gosta de homem, ela vai lá e transa com um. Bem, cada um tem sua trajetória nisso, mas eu achei UM NOJO essa situação, porque só reforça o estereótipo ridículo de que lésbica tem que fazer sexo com um homem pra descobrir que é lésbica e que não gosta de homem, quando NÃO FUNCIONA ASSIM, não funciona!
Sexualidade é sobre o que a gente sente, não sobre o que a gente faz! VOCÊ PRECISA ENTENDER SEUS SENTIMENTOS ANTES, para depois realizar essas ações (sexo). Isso é com qualquer sexualidade na minha opinião, qualquer mesmo. E não necessariamente realizar a ação (fazer sexo) vai te fazer entender teus sentimentos, tem outros caminhos para se auto-conhecer. Eu queria deixar isso bem claro aqui, porque é unânime pessoas homossexuais serem coagidas a terem que "experimentar" coisas que não são compatíveis com seus sentimentos e desejos. Queria que a autora tivesse passado a mensagem "respeite o que seu corpo e sua mente sente antes de tudo" porque isso o SAUDÁVEL.
Sabe porque? Porque esse livro é redirecionado ao público adolescente, justamente o público que não sabe isso. Porque esse tipo de coisa que eu falei agora, muito pouco é ensinado, e nas obras no geral é justamente reforçado o contrário. Que você precisa "provar de tudo" e "fazer de tudo" E NÃO! A vida já é desconfortável por mil motivos, você não precisa que ela seja desconfortável além da conta pra ter experiências satisfatórias e que te ensinem. Liberdade muitas vezes é muito mais sobre poder dizer "não" para as coisas do que ficar dizendo "sim" para tudo.
Poderia reclamar também da escrita do livro e da questão dele se passar no Brasil com um molde completamente estadunidense, mas isso é questão de gosto pessoal. Do que é problemático eu já falei. Sinto muito por todo mundo que romantiza relacionamento tóxico e desrespeito no geral, mas eu nunca vou fazer isso, seja qual sexo for! Espero que com esse texto alguém fique mais atento a essas questões.