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26/09/2020Carrosel de sentimentosO livro, que é dividido em três partes, apresenta nos primeiros capítulos a história dos meninos que moram no trapiche abandonado, conhecidos como Capitães da Areia. São crianças que vivem de roubos à casas de burgueses e de pequenos furtos nas ruas. São crianças abandonadas pela família, pela sociedade e que encontram no bando de Pedro Bala, chefe do grupo, o amor e o companheirismo que nunca tiveram.
As histórias desses personagens despertam no leitor diferentes sentimentos, e um dos mais tristes é a do menino Sem-Pernas, que recebe esse apelido por ser coxo. Sem-Pernas é uma criança traumatizada, que desde muito pequeno guarda muito rancor e ódio por nunca ser amado, por ser muito maltratado por aqueles que deveriam protegê-lo. E mesmo quando encontra o amor no carinho de D. Ester, está embutrecido demais para aceitá-lo.
O capítulo mais simbólico é o de Pirulito, que tem o sonho de ser padre, e quando vê a imagem do menino Jesus numa loja, o vê como sendo feio, magro, com cara de fome, ou seja, o próprio retrato de Pirulito e dos meninos que moram no trapiche. Pirulito entra em conflito quando sente vontade de roubar a imagem, pois, comovido com o sofrimento do menino Jesus, quer levá-lo para poder dar cuidados e amor, sentimento que ele sempre quis e nunca pôde ter.
Um dos mais repugnantes é o capítulo do estupro de uma jovem negra, cometido por Pedro Bala. No livro, as mulheres são vistas como objeto, como dizem os capitães: "Negrinhas para serem derrubadas no areal". A personagem Dora é a "exceção", e acaba conquistando a confiança dos meninos, tornando-se mãe, amiga e irmã.
E o mais lindo é o capítulo "As luzes de carrossel", onde as crianças andam e se encantam ao girar num carrosel velho da cidade. Um momento que pode parecer simples, mas que mostra que os meninos de Capitães da Areia são apenas meninos. São crianças que sonham e se sentem plenas e livres como todas as crianças quando estão girando num brinquedo.
Capitães da Areia é um livro repleto de questões sociais muito bem discutidas, como a questão das lutas de classe, em que o chefe Pedro Bala acaba se juntando aos doqueiros para fazer a revolução, para lutar por melhorarias e pelos pobres. Isso, junto com as situações tidas como imorais pelo regime da época, rendeu a Jorge Amado a queima de exemplares de seu livro. Ao falar da problemática de meninos de rua na Bahia dos anos 20, a obra se torna atual em muitos aspectos.
Uma curiosidade é que Jorge Amado foi dormir no trapiche com os meninos de rua, escrevendo, assim, um livro que traz "um olhar de dentro", como disse Zélia Gattai Amado, com uma riqueza de detalhes impressionante. Talvez, por isso, o sentimento que mais nos causa na história seja o da empatia. Porque podemos não concordar com todas as ações dos personagens, mas é impossível não sentir empatia pela luta diária dos Capitães da Areia.