Amélia Galvão 31/03/2020Antes de começar o livro estava com bastante medo de não gostar, pois tinha visto vários comentários negativos. Mas, ainda bem que decidi ler, pois, para mim, foi um dos melhores livros que li até o momento, entrando para os meus favoritos. Desde a primeira página já me senti fisgada, mas não por se tratar de um enredo dinâmico ou ágil, no estilo de livros que foram criados para se ler em uma sentada, mas pela sua sensibilidade. Na verdade, penso que o maior desafio desse livro é vencer a barreira da sua estrutura narrativa, a qual considero fantástica.
A história não é contada de forma linear, alternando entre passado e presente sem dar um aviso prévio. Além disso, ela é narrada pela perspectiva de diferentes personagens, o que também muda sem qualquer aviso. Desse modo, é necessário bastante atenção, pois uma divagada e já não saberemos mais o que está acontecendo ou quem está falando.
Por isso (e por ser meio voadora), houve vários momentos em que precisei reler alguns trechos. Contudo, não o fiz achando um saco, mas sim com prazer de poder ler novamente palavras tão lindas, cheias de poesia e profundas com reflexões sobre a humanidade. Era um deleite. Li cada parágrafo, ou reli, com o mesmo prazer de quem está saboreando uma comida querida. Foi um sentimento que me acompanhou por todo o livro.
Fiquei admirada com a sensibilidade e a habilidade da autora para tratar tantas questões humanas sob a perspectiva de personagens diferentes e costurar tudo com perfeição. Parece que estamos lendo um quebra cabeça e que a cada avanço aquela peça antes sem contexto passa agora a completar o sentido do que estamos construindo, é lindo.
Ademais, a narrativa é bem introspectiva, adentramos a cabeça de cada personagem e tomamos conhecimento do que uma mesma experiência faz cada uma sentir e pensar. Tal abordagem ressalta como uma mesma situação nos afeta de maneiras diversas e como esquecemos disso, achando que todos vão ter uma mesma interpretação, reação ou sentimento. O livro também desperta várias reflexões: sobre como nos portamos em nossos relacionamentos; sobre como a bagagem da nossa infância influencia o que seremos e como agiremos; sobre diversos tipos de preconceitos e como eles afetam nossas vidas; sobre se sentir parte de algo; sobre desigualdades econômicas; além de tantas outras.
Outro aspecto que me chamou a atenção foi o sentimento de não pertencimento, de não se encaixar onde está ou de não ser aceito pelos outros como parte daquele lugar. Não só Kweku experimenta isso, mas também as outras personagens e cada uma da sua forma. No caso dos filhos do Kweku, além da dificuldade de se sentir parte da família, achei interessante como é difícil nascer num país enquanto filho de imigrantes. Eles são americanos, mas não vivem apenas a cultura local, eles também crescem adorando a cultura das regiões de seus pais. O problema é que os americanos não os enxergam como americanos suficientes, enquanto os nacionais do país de seus pais (quando eles vão visitar o local) também não os enxergam como suficientes para aquela cultura. É como se eles ficassem num limbo, em que nem um, nem o outro os aceita.
Esse mesmo sentimento é muito bem trabalhado no livro "Intérprete de Males" da Jhumpa Lahiri. Outro livro que me veio a mente foi o "País sem chapéu" do Dany Laferrière. Nesse último o autor mostra os impactos do imperialismo francês, do regime ditatorial de Baby Doc e da invasão americana no Haiti. O livro reflete sobre o que integra e define a cultura haitiana, o que os identifica como tais e como essa identificação cultural impacta a sua sociedade - o texto complementar de Heloisa Moreira na edição da ed. 34 é fantástico! Tais questionamentos, em grau e modos diversos, vieram a minha cabeça enquanto lia "Adeus, Gana", pensando sobre identificação cultural, sobre os impactos da globalização e a imposição de uma cultura única, entre outras questões.
Bem, "Adeus, Gana" é um livraço que faz você apreciar todo o processo da leitura, refletir e questionar sobre suas atitudes, relacionamentos, sentimentos e sobre tantas questões inerentes ao ser humano e como elas afetam nossas relações. Espero que seja tão bom para vocês como foi para mim.