Isabella.Wenderros 04/01/2022“E lembre-se, no deserto da vida, o tolo viaja sozinho e o sábio, em caravana”.Leyla Afife Kamile nasceu em 1947, na Turquia. Seu nome significava “cheia de virtudes, repleta de méritos” e era assim que sua família, principalmente seu pai, esperava que ela se mantivesse. Percorrendo um caminho traiçoeiro e doloroso, ela vai parar em Istambul aos 17 anos, sozinha e sem dinheiro, sendo jogada no mundo da prostituição. Com essa nova realidade, outro nome é escolhido: Leila Tequila.
Logo no 1º capítulo, o leitor conhece a protagonista abandonada em uma lata de lixo enquanto a cidade ao seu redor desperta e seu coração vai parando de bater. Conforme percebe seu corpo cedendo ao inevitável, seu cérebro começa uma luta desesperada, – fadada ao fracasso – rejeitando o fim. Durante 10 minutos e 38 segundos, Leila relembra vários períodos de sua vida em detalhes vívidos, reflete sobre como o véu que separa vida e morte é translúcido e pensa nas pessoas que, apesar do labirinto confuso que é a existência humana, andavam de mãos dadas com ela através das dificuldades e alegrias.
Quando entrei nessa leitura, sabia muito pouco e acabei sendo surpreendida pelo peso da história, pela escrita envolvente da autora e pelo o sentimento de tristeza misturado com esperança. Leila foi uma vítima em vários momentos, tinha tudo para se tornar amarga e cínica com a vida e as pessoas, mas se manteve amorosa, leal e sã, mesmo quando coisas horrorosas aconteciam. Já de cara eu percebi que muito da força que acompanha a protagonista partia das amizades profundas e fortes que ela teve a sorte de cultivar. Outro ponto positivo é a maneira como Istambul foi descrita: quase como uma criatura viva, com personalidade própria e trabalhada pela autora como mais uma personagem na narrativa.
Elif Shafak trata de temas difíceis, mas de uma maneira diferente: tudo é triste, mas existem fios de amor que emocionam, evitando que a leitura seja carregada e arrastada. Todos os personagens fogem do padrão do que é considerado “normal” pela sociedade: prostitutas, transexuais, uma mulher que fugiu do marido abusivo – numa parte do mundo em que isso é considerado crime – ou pessoas que sofrem de algum problema físico. Eles vivem na margem e encontraram uns nos outros a rede de segurança que todo ser humano precisa. E foi lindo ler essa união. Foi belo acompanhar essas pessoas solitárias que se juntaram numa irmandade tão verdadeira que mereceu o último pensamento de uma mulher que tinha sido assassinada de maneira injusta. No último segundo, Leila virou o que restava de si para eles, os amigos que foram sua verdadeira família.
Comecei 2022 com uma leitura impactante e forte. Quero conhecer tudo o que chegar dessa autora por aqui.